Concedida a Mauro Silveira – Revista Época – 07/10/2011
Revista Época: Dr. Cuschnir: o dinheiro tem significados diferentes para o homem e para a mulher? Em caso positivo, por que?
Luiz Cuschnir: Não dá para se dizer que há uma grande diferença como um todo. Particularizar somente pelo gênero seria uma generalização perigosa. Poderíamos indicar algumas tendências que se verificam mais com um ou com outro. Para os homens, a compra de bens materiais como patrimônio ou carro, tem a característica do masculino assim como para mulheres roupas ou jóias indicam o feminino. Ambos hoje em dia pensam em segurança atual e futura, mas muitas vezes nos pequenos detalhes eles podem se diferenciar. São percursos que cada um segue de acordo com suas necessidades e possibilidades de satisfação interna.
Revista Época: Por que muitas pessoas conseguem manter uma boa administração de suas finanças quando solteiras, mas enfrentam sérios problemas para gerenciar o dinheiro quando se casam? O fato de somarmos os recursos de duas pessoas (do marido e da mulher que trabalham, por exemplo), não deveria trazer mais folga no orçamento e, conseqüentemente, maior tranqüilidade na gestão do dinheiro da família? Por que isso não acontece? O que muda em relação à vida de solteiro?
Luiz Cuschnir: Muitas vezes a boa administração financeira depende dos gastos serem menores, o que ocorre quando ainda estão imersos na posição de filhos e vivem com os pais. Só moradia, cuidados com a casa e alimentação, diminuem bastante os gastos. Quando passam a essa etapa independente e ainda não tem o know-how do novo esquema que inclui uma série de compromissos que não existiam, levam certo tempo para aprender a administrar isso tudo. A soma então não resolve essa adaptação e até pode dificultar quando a linguagem de cada um em relação aos projetos futuros não está claramente estabelecida. Cada um ainda está no “eu” e não no “nós”. A noção muitas vezes só aparece quando vêm os filhos que os colocam na obrigação de planejar melhor o que virá. E isso nem sempre é quando eles nascem, pode levar algum tempo para perceberem que não estão na lua de mel e sim numa nova realidade.
Revista Época: É possível para uma pessoa adulta mudar o seu comportamento em relação ao dinheiro? Ou sua personalidade está formada e dificilmente ela conseguirá fazer mudanças drásticas?
Luiz Cuschnir: Algumas pessoas até mudam, por vezes até drasticamente. Filhos de pais extremamente rigorosos nos gastos, até chegando a extremos, podem deixar marcas em filhos que terão um comportamento diametralmente oposto. As condições econômicas mudando assim como o status social, em geral propiciam o aparecimento de novos valores. Alguns eram muito ricos e ao perderem esse status, são obrigados a novos desafios e até passam a valorizar mais o dinheiro. Outros que vêm de classes menos favorecidas e quando dispõe de muito mais, exageram como se precisassem compensar os momentos que não tinham nada para gastar. Mas mesmo esses, podem ter comportamentos onde mantém esse passado como uma ameaça e nunca conseguem usufruir plenamente do que possuem.
Revista Época: Na sua opinião, o dinheiro é responsável por muitas separações? Quando uma mulher se separa do marido (ou vice-versa) se dizendo frustrada, que deixou de realizar seus sonhos, que não conseguiu construir um lar, pode estar falando indiretamente que os problemas financeiros estão na base do fim do relacionamento?
Luiz Cuschnir: Se ele é responsável pela separação, se é a causa dela, é porque o projeto comum não se estabelecia a contento. O dinheiro é um dos combustíveis da relação e interfere mais ou menos na medida em que transita por uma área que valoriza a relação afetiva ou que lida com ela como secundária. Se o relacionamento afetivo está deteriorado, ele não vai servir de base para o projeto conjugal como um todo e dependendo das divergências que têm, pode vir a ser o motivo da separação. Quando ela ou ele não se realizaram, perdem outros atributos e disponibilidade para construir o que seria do espaço em comum. Se esse foco permaneceu mal resolvido, pode vir à tona uma série de conflitos que geram uma separação.
Revista Época: Uma pergunta bastante tradicional: dinheiro pode trazer felicidade para o casal? Por que?
Luiz Cuschnir: Por que ele dá chance para vivências que quando bem escolhidas, satisfazem as necessidades de cada um. Você falou bem quando disse “pode trazer felicidade” e não, que trás, pois se for usado para distorcer a relação amorosa, pode provocar grandes estragos como o desrespeito ao outro ou o distanciamento afetivo do casal.
Revista Época: Por que o prazer de comprarmos algo logo se esgota e precisamos consumir sempre mais? Compramos um telefone celular e no mês seguinte já pensamos em trocá-lo. Algumas pessoas mal usaram o IPad1 e já compraram o IPad2. Por que isso acontece?
Luiz Cuschnir: Há pessoas insaciáveis, que precisam mais por haver um vazio interior que não conseguem suprir. O que há dentro delas não as supre e precisam de algo de fora para tentar obter a satisfação que muitas vezes nem sabem o que é. Tanto no meu consultório particular como no Instituto de Psiquiatria do HC da FMUSP, aparecem situações onde as pessoas se queixam da vida vazia que levam. Na verdade não é a vida como um todo, mas sim, as relações afetivas as quais estão vinculadas que estão empobrecidas. A tentativa de obter momentos satisfatórios pode provocar uma compulsão de compras que não se resolve se não se chega a aspectos mais profundos do seu dia-a-dia. Quando o prazer da compra se esgota rapidamente ou por outro lado, se torna proibido como se fosse um pecado, estamos diante de alguém que precisa rever o sentido que a sua vida levou.
Revista Época: Por que muitos casais não gostam de conversar sobre o tema dinheiro? Ele é um tabu?
Luiz Cuschnir: Quando o tema está colocado como tabu, é porque não há uma confiança em que o outro vai saber lidar com o dinheiro da forma que vê que é mais adequada, ou que será respeitado nas suas diferenças. Há muitas pessoas que sofreram situações onde se sentiram usurpadas, exploradas ou roubadas. Essas tendem a extrapolar essa vivência para futuras relações. Há famílias inteiras que vivem como se todos que se aproximassem fossem interesseiros e quisessem tirar vantagem. Podem até se aproximarem de outras pessoas visando tirar proveito do outro como um código de vida, mas projetam nos que se aproximam algo que têm dentro de si. Não é incomum que apareça em algum momento, essa situação de desvio de dinheiro dentro da própria família. Isso indica muitas vezes que o inimigo estava lá dentro dessa família, e era apontado como alguém de fora para não entrarem em contato com eles próprios.
Revista Época: Vamos tentar uma estatística: de cada dez casais com quem o senhor conversa, quantos tem o problema financeiro como base da crise conjugal?
Luiz Cuschnir: Muito poucos. Em geral esse problema é um sintoma do que não vai bem com eles. Perderam o sentido comum e estão vivendo isolados, restando uma relação de apego ou conveniência. Precisam reencontrar o rumo para não virarem inimigos.
Revista Época: Na sua opinião, quais os erros mais comuns que os casais mais jovens cometem em relação à vida financeira dos dois?
Luiz Cuschnir: – Não pensam que a vida profissional do outro sendo fortalecida, trará benefícios futuros para ambos.
– Pensar somente na carreira futura sem levar em conta que o relacionamento pode se deteriorar se não for cultivado.
Que o ciclo feminino é diferente do masculino, portanto levarem em conta que além de virem de culturas, famílias ou religiões diferentes, também podem ter referenciais diversos e se forem muito discrepantes, necessitam de ajustes constantes.
Não enxergam que se há exageros nos gastos ou nas economias, não adianta terem uma atitude policialesca. Precisam de uma ajuda profissional terapêutica.
Revista Época: E no caso dos casais mais antigos?
Luiz Cuschnir: Vivem como se ainda estivessem no começo da vida conjugal quando não tinham dinheiro suficiente para o lazer e se restringem de tal forma que esvaziam os momentos de prazer.
O controle sobre o outro se exacerba e passa a ser uma maneira de viver em comum, tirando a energia vital de ambos do ponto de vista do gênero: homens enfraquecem e mulheres enrijecem. Podem ficar deprimidos ou mal humorados um com o outro.
Envelhecem antes da hora e se afastam das possibilidades de conquista de novas experiências em função de economizarem dinheiro para o futuro. Estagnam o seu potencial criativo.
Revista Época: Quais os erros mais comuns cometidos por casais com e sem filhos?
Luiz Cuschnir: Os com filhos por vezes exageram na tentativa de satisfazê-los, confundindo com proporcionar a eles experiências de vida muito precoces e que estimulam a necessidade de consumir cada vez mais. Podem estar gerando consumidores compulsivos que passam a necessitar sempre tudo, com desvios importantes de conduta. Nem sempre conseguem limitar isso para com a família e precisam controlar avós e tios para manterem um padrão aceitável para com os presentes.
Revista Época: Quais as vantagens de pensar a vida financeira do casal a dois?
Luiz Cuschnir: Quando pensam juntos, estão delineando um caminho futuro e ao mesmo tempo reiterando que o compromisso de ambos é de longo prazo. Isso dá mais segurança a cada um e enriquece o vínculo afetivo. É importante que a vida financeira do casal não inclua somente o lado do sacrifício diante de um futuro esquecendo o presente. Devem trazer para o aqui-agora o que podem ter de satisfação e prazer, pois não adianta só o futuro se não estão cuidando de um presente criativo e prazeroso. Pensar nisso também deve incluir o crescimento pessoal, para que cada um em sua essência como homem e como mulher se sinta valorizada e se desenvolvendo. Com isso já incluem os momentos onde estarão trocando suas necessidades, fantasias, desejos, se reconhecendo e se expondo para que tenham mais coisas em comum.
Revista Época: Muitas mulheres se mantém num casamento falido porque existe uma dependência financeira do marido. O que fazer nessa situação? A mulher que tem essa posição mais submissa pode reverter o quadro?
Luiz Cuschnir: O casamento pode estar falido de várias maneiras, até com as mulheres bastante independentes que não tem essa condição submissa econômica, mas têm muito medo de se verem sozinhas no mundo. A dependência financeira pode vir da sensação de incapacidade de ser produtiva economicamente ou que já vieram para o casamento com esse projeto e se dão conta que essa é a única possibilidade para manterem a relação. Se não houver uma reversão do seu projeto de vida como mulher, não poderão transformar essa posição. A mudança dos papéis de cada um implica em mudanças de atitude na via como um todo. Não dá para mudar somente exigindo ter mais participação nas decisões se não estabelece uma nova dinâmica de vida.
Revista Época: Quando uma pessoa se separa, a tendência é que ela mude o seu comportamento em relação ao dinheiro num segundo relacionamento? Ela aprende com a experiência negativa ou tende a repetir os mesmos erros?
Luiz Cuschnir: Às vezes o aprendizado em função de uma separação dolorosa se dá além da foram como ela lidava com o cônjuge, mas nem sempre isso acontece. Há também uma tendência das pessoas continuarem o seu jeito de lidar com o dinheiro, principalmente quando ele está vinculado a traços de personalidade que implicam e posturas de vida. Outras vezes, os novos tempos de pós separação trás grandes ensinamentos e ela passa a valorizar determinadas situações que acarretam em novas posturas com o dinheiro. Quando estão em novos relacionamentos e se conscientizam que é uma nova experiência, tenderão a construir uma nova linguagem em relação à vida, que incluirá com o novo cônjuge, a inclusão de hábitos inclusive em relação ao dinheiro.
Revista Época: Como fazer para que os filhos não sejam seduzidos pelos “bombardeios” das propagandas na TV, revistas, sites etc? Na escola, muitos jovens são discriminados ou excluídos dos grupos por não terem o último modelo de celular ou a camiseta de uma grife famosa, por exemplo. Como os pais devem agir?
Luiz Cuschnir: Os respaldos de todas as atitudes educativas em relação aos filhos devem propiciar que eles consigam enfrentar o mundo com os valores da família de onde vêm. Explicar o porquê e demonstrar a coerência nas próprias atitudes parentais pode ser um reforço para essa exposição de motivos que visam protegê-los desses bombardeios. Por outro lado cabe verificar se o que estão proporcionando aos filhos não carece de uma revisão, pois podem deixar de perceber que se os colocam em um determinado meio, devem respeitar os códigos desse meio para que se sintam integrados a ele.