Poliamor

UOL – Jornalista Bruna Maria Guedes Alves 

8/11/2020

UOL – O que é poliamor? Como esse tipo de relacionamento funciona exatamente?

Luiz Cuschnir – Esse termo, inicialmente usado no Estados Unidos em 1990 (polyamory) de uma circulação muito restrita, indicava uma relação com o neopaganismo, ligado a um contexto de modernidade religiosa. As buscas pessoais adquirem importância maior do que o pertencer a instituições religiosas tradicionais.

O jeito como acontece dependerá dos que participam desse modelo de relacionamento e do tipo de contrato que têm para viabilizá-lo.

UOL – Há diferentes definições de poliamor? Se sim, quais são elas?

Luiz Cuschnir – O poliamor não está associado com a poligamia diretamente. Não existe a assimetria de gêneros caracterizando a homo ou heterossexualidade. Não é contrária sempre a fidelidade, que pode fazer parte contrato. Na acepção da palavra, se reporta a uma relação amorosa entre mais de duas pessoas, não implicando no relacionamento sexual, mas tendo ele também como pressuposto que possa ocorrer.  Há relacionamentos que se restringem a um convívio muito intenso sem a conotação sexual. Outros implicam a uma vida sexual que pode ou não ser compartilhada diretamente entre todo ou terem somente uma configuração hetero ou homossexual. Também correspondem a um amor livre, mas que pode ter restrições como convívio o tempo todo, relacionamento esporádicos fora da relação principal, com ou sem o consentimento do outro, sem ou com a participação do outro. Há variações da construção da relação de acordo com cada relação.

UOL – Culturalmente, onde encontramos esse tipo de relacionamento? No mundo ocidental, por exemplo?

Luiz Cuschnir – A possibilidade de exposição é que determinará onde será encontrado. Um casamento tradicional que não tem a abertura para uma relação amorosa além dos que dele compõem, só será encontrado no espaço do pensamento e da emoção que um ou os dois vivem amando uma outra pessoa. A proibição pode ser de tal ordem que quase só apareça como um sonho impossível de se realizar. Ampliando mais, um dos que fazem parte do casal, podem estar em um relacionamento amoroso totalmente dissociado de um ou de ambos os lados. Em muitos setores da nossa sociedade, são vividos totalmente às escondidas. Independentemente dos compromissos sociais que cada um participa, podem se compor com uma intensidade amorosa que inclusive permanece ao longo da vida de ambos. Acompanhei uma situação onde um casal se conheceu quando jovem e tiveram um namoro breve. Depois se reencontraram 20 anos depois, acabaram os vínculos familiares que tinham constituído separadamente. Viveram juntos alguns anos. Reconstruíram a vida amorosa em outros relacionamentos mas essa presentificação do amor permanecia ao longo dos tempos. Mais outros tantos anos se reencontram, mesmo a mulher estando casada e com a vida solidamente reconstituída, voltam a viver a relação de amor que percorreu a vida de ambos, mesmo sem a liberdade de exporem a sociedade.

Então, como você falou, no mundo ocidental, e imagino que no oriental também, o poliamor pode estar ocorrendo mesmo que não sendo explicitamente vivido.

UOL – Esse conceito existe há muito tempo? Como ele foi estabelecido?

Luiz Cuschnir – A questão do conceito é relativa. Conceituá-lo já implica em uma avaliação com um padrão crítico. As influências que promovem esse pensamento com essa interferência, vão direcionar esse conceito. Na medida que pensamos, já não estamos livres para a liberdade total do que sentimos.

O amor romântico do século XIX veio para libertar a racionalização do Iluminismo onde os homens consideração o amor um passatempo e tinha um viés bastante desvalorizador das mulheres. Por outro lado constrói-se o mito do amor doméstico, puritano, casto, controlado e cauteloso.

Daí vem uma tendência pós-moderna, não mais do “sexo por sexo ou sexo puro, de acordo com Bauman, sem compromisso, vulgar e intensamente praticado do “ficar” ou “fast food1 sexual na atualidade, mas o sexo que se mescla com algum conhecimento e envolvimento emocional dos parceiros.

Tenho a ideia que vem desse estado que a sociedade se tem movimentado para rever a questão da conjugalidade.

UOL – É possível amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo? Ou trata-se apenas de uma paixão passageira?

Luiz Cuschnir – Pelo que te apresentei, nesse único exemplo, mas que acompanho há inúmeras décadas tantos homens e mulheres que me apresentam amores nada passageiros nem mesmo superficiais rápidos como uma paixão, acredito plenamente que é sim possível viver amores concomitantes.

UOL – O poliamor é um desejo ou uma necessidade?

Luiz Cuschnir – Se dissermos que é um desejo só, ficaríamos no terreno do que deve ou não ser reprimido de acordo com as regras sob a qual vivemos. Se pensarmos em necessidade, vamos para o consumo de algo mais do que já temos. O insaciável…

Creio que a presença da liberdade de estar-se amando responde, não pelo desejo ou pela necessidade, se será em um amor exclusivo ou inclusivo. Um não é mais verdadeiro que o outro. Ter desejo de outras pessoas ou necessitar para não se mutilar, para cada um tem a sua importância. Ter a liberdade de construir a própria configuração do amor para sim é que, se possível, vai propiciar a realização deste.

UOL – Se teoricamente as pessoas traem seus companheiros, por que esse tipo de relação é visto como um tabu?

Luiz Cuschnir – Não acho que a traição é uma teoria. Ela pode estar presente ou não nas relações, dependendo da vivência que cada um tem dos seus sentimentos. Podem estar tomados ou não pelos desejos sexuais, mas não há uma regra em que quem tem um companheiro irá traí-lo. Nem quando nem durante quanto tempo, há muitos fatores de personalidade, de padrões sociais, de carácter e de educação que vão influenciar. O tabu aparece como a camada mais superficial da repressão de diversos sentimentos que percorrem a construção dos casais e da sociedade.

UOL – Possível definir o que é o amor?

Luiz Cuschnir – Eu queria!!! Quem sou eu para conseguir isso!

Sei mais da repercussão dele, que é uma mistura de tobogã, montanha russa, trem fantasma, carrinho de dar trombada, carrossel dos cavalinhos e barquinhos no tanquezinho.

UOL – O poliamor acontece mais com homens ou com mulheres, há essa distinção?

Luiz Cuschnir – Seria injusto dividir homens e mulheres assim. É como também dividir jovens e velhos, mono e pansexualidades, advogados e engenheiros…

Só sei que todos os pacientes que tive o privilégio de participar da vida amorosa deles, nunca pude enxergar como destituída de uma entrega mesmo que com consequências bastante conflitantes quando não eram passíveis de comporem em suas vidas.

UOL – O ciúme pode ser um problema nesse tipo de relação?

Luiz Cuschnir – Sim, como em qualquer outra. Posse, solidão, autoestima, sensação de escassez e outros tantos fatores vão estar presentes aí como em outras composições conjugais.

UOL – As pessoas que aderem esse relacionamento estão mais preparadas psicologicamente para mantê-los? Essa aceitação pode ter a ver com a cultura, religião, educação?

Luiz Cuschnir – Por um lado estão sim, preparadas pois conseguem considerar que o que sentem o outro também pode sentir. A liberdade que querem ou outro também deve ter. Agora dizer que estão mais preparadas, nem sempre acontece assim. É como se preparar para a morte da pessoa mais importante da sua vida. Quando acontecer, é impossível _dizer que_ saber é a mesma coisa que acontecer.

UOL – Há algum autor famoso que fez uma definição de poliamor e que podemos citar na matéria?

Luiz Cuschnir – Mencionei o Bauman, que em 2004, 2005 fala do desmantelamento das estruturas tradicionais de apoio sociais, relações em geral. Ele (ele) começa a falar da mudança da intimidade para a extimidade onde que seria pouco provável se ter uma profunda é significativa afetividade e intimidade, indiscriminadamente, com todos os membros do grupo de parceiros. Acho, humildemente, que tem um pouco de preconceito aí, mas, sempre acho, quando vejo referências de muitos anos atrás, que não correspondem ao nosso quase 2021…

UOL – O que é importante falar à respeito que eu não perguntei?

Luiz Cuschnir – Bom, vou te trazer um dado interessante:

Argumentos de Direito Civil-Constitucional, sugere-se o reconhecimento jurídico das relações de poliamor pela sua sintonia com

(I) a dignidade da pessoa humana,

(II) a liberdade nas relações familiares,

(III) a solidariedade familiar,

(IV) a igualdade,

(V) a afetividade,

(VI) a especial proteção reservada à família,

(VII) o pluralismo das entidades familiares e

(VIII) a mínima intervenção do Estado na família.

Não é incrível essa visão?

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