Antes de tudo uma dama

Revista Lola por Luciana Ackermann- julho /2012

As mulheres mais realizadas são as que não abrem mão de suas características femininas – o que inclui o desejo de ter suas ações legitimadas pelo olhar dos homens. É o que defende o psicanalista Luiz CuschnirSe fosse possível medir a distância que separa o que vai pela cabeça dos homens e das mulheres, Luiz Cuschnir, de 62 anos, seria um forte candidato a dono da régua. Idealizador e coordenador-geral do GENDER Group, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, o paulista é um expert na arte de devassar, em meio às bruscas transformações da sociedade nas últimas décadas, as particularidades afetivas e as angústias de cada um dos gêneros- e também, às vezes,bem difícil relação entre eles. Formado em medicina pela Faculdade de Ciências Médicas de Santos e com um valioso estágio com o criador do psicodrama, J.L Moreno, no Instituto Moreno de Nova York, Cuschnir dedicou 20 de seus 35 anos de carreira a entender o que pensam os homens, em estudos que resultaram em livros como Homem, Pedaço Adolescente(1994) e Homens sem Máscaras(2002). Até que, no início da década passada, passou para a tarefa que muitos consideram impossível:saber não só o que querem as mulheres mas também o que elas podem fazer por uma vida mais feliz. Em seu novo livro, Como Mulheres Poderosas Se Tornam Mulheres Conquistadoras(Planeta,144 págs., 19,90) Cuschnir detalha as respostas possíveis para essas questões. E centra forças na defesa da idéia de que as mulheres precisam aprender a ir buscar suas conquistas, sem abdicar de sua força, o que elas têm de mais genuíno: a identidade feminina. Não faltam razões para a idéia ser polêmica: significaria admitir, por exemplo, que ter o reconhecimentos dos homens para suas ações faz parte da essência da feminilidade. “No campo emocional, elas precisam ser legitimadas pelo homem“. Veja mais a seguir:

Lola: Começando pelo título de seu livro o que são os conceitos de mulheres poderosas e mulheres conquistadoras?

Luiz Cuschnir: Toda mulher, sem exceção, é poderosa, tem um poder intrínseco, muito vinculado ao que ela sente, ás emoções. Se ela vai usar ou não, é outra história. Mas nem toda mulher é conquistadora – e a conquistadora é a que consegue exercer esse poder, é a que tem as relações que deseja, a carreira que deseja,uma remuneração adequada.

Lola: E como acontece essa conquista?

Luiz Cuschnir: Acontece quando ela é capaz de integrar o mundo interior dela, o que a identifica como única, ao mundo exterior. É quando ela leva para fora quem ela é,não o que é esperado dela. O primeiro passo é ir em busca do seu feminino e cavar seu lugar no mundo a partir disso. A mulher pode ter claro que não quer cozinhar, lavar a louça, fazer as unhas, mas precisa encontrar algo que seja uma referência para o seu feminino. Pode estar relacionado com música, artes, com a capacidade de trabalhar as relações à sua volta, com o desejo de ajudar, que são habilidades muito ligadas á feminilidade. Fiz vários trabalhos com mulheres que não tem uma carreira profissional, mas fazem trabalho voluntário. Elas se sentem integradas, cuidar e ajudar é algo extremamente do feminismo. Elas sentem que fazem diferença, que estão no mundo.

Lola: O poder das mulheres é diferente do poder dos homens?

Luiz Cuschnir: É, sim. Para as mulheres, todas as possibilidades de se sentirem fortes vêm de emoções muito ligadas à sua identidade feminina. Elas precisam por exemplo, dos relacionamentos com os outros, têm necessidade de fazer conexões – e nelas exercitam seu poder. É aí que entram os diferentes papéis que as mulheres desempenham na vida, como se fossem suas garras, seus fingers, que vão atingindo o que elas desejam. Se esses fingers ficam no ar, não fazem contato com o outro lado, ficam insatisfeitas. Esse é um movimento diferente do comportamento dos homens, que se encorujam e se afastam. O poder deles está na razão.

Lola: Essas características típicas do poder das mulheres são boas, ruins- ou ambos?

Luiz Cuschnir: Muitas vezes, o exagero nessa comunicação e nas relações com o outro as impede de refletir, de ouvir de trocar de fato. Elas podem sentir muito, mas fica muita coisa guardada lá no fundo, em seu íntimo, quando elas não lidam com as questões mais profundas. Às vezes não adianta saber que essas questões existem, tem de saber, sentir e colocar para fora, num ambiente protegido. As mulheres têm de romper com aquelas respostas padronizadas: “É assim mesmo“; “Eu já sei e não tem jeito“. Uma alternativa terapêutica, por exemplo, é escrever a respeito. As mulheres sentem dificuldade de estudar suas características sem fazer comparações com os homens. Não interessa o homem, o outro. É aí que elas perdem a energia delas.

Lola: Mas que tipo de coisa as mulheres guardam lá no fundo?

Luiz Cuschnir: As mulheres ainda prestam muita atenção no quanto o homem vai oferecer a elas no que se refere a segurança. Em todos os níveis, até aquelas que superbatalhadoras e independentes querem ter a sensação de que o homem vai dar o que ele têm, algo que dê conforto a elas. Esse conforto é o emocional delas. Ficou no imaginário das mulheres aquele homem com peito forte, o homem grande, que é o simbolismo do apoio. É muito comum as mulheres conquistarem muito, galgando degraus sem parar, mas ainda quererem saber o que o homem está achando disso. Não bastam o reconhecimento do homem, do universo masculino. Querem que o homem as veja e as legitime. E precisar ser legitimadas pelo homem é da essência delas, do feminismo. Mulher está longe da essência feminina, nem liga para isso, mas o que ativa o feminismo da mulher é o olhar masculino. É como uma reação química que precisa de um ativador. Isso no campo emocional, psicológico. Não tem nada a ver com a política, por exemplo.

Lola: O que pode atrapalhar as mulheres nesse processo de aceitar sua feminilidade?

Luiz Cuschnir: O pior carrasco da mulher é ela mesma, impondo-se exigências impossíveis de cumprir. E ela segue acreditando no mito de que pode tudo. São cobranças constantes, o que gera muita culpa e a culpa a deixa vulnerável. Ela tem de ser magra,bonita, bem-sucedida, rica, inteligente,simpática…Fica a mensagem: tenho de ser o que não sou. Nisso, vai se encolhendo. Quando se permitir ser ela mesma,se tornará menos culpada e vulnerável. Ela precisa aprender a absorver.Uma forma de aliviar essa culpa é ter consciência de que fez o melhor que pôde. É algo com ela mesma, não com os outros. Quanto mais ela detiver esse poder, mais força terá para fazer suas conquistas.

Lola: A Mulher está cometendo um erro, então, de se afastar de seu lado mais sensível?

Luiz Cuschnir: Sim. Ela pode ter conquistado mil coisas, ser rica, poderosa,inteligente…se não se sente-se vulnerável, passível de ser pega em um flagrante, como se estivesse fazendo algo errado. E não há nada de mais genuíno na mulher do que o feminino.Antes de escolher qualquer profissão, estudar, casar,ser mãe, ela é mulher. Depois vêm os outros papéis. Quando ela encontra o seu feminino conectado com o que ela é, essa mulher se sente inteira. Não dá para ser fake. É importante que a mulher aprenda a permitir um contato com o feminino dela.

Lola: Mas, se o feminino é algo natural, por que ela precisa aprender?

Luiz Cuschnir: A mulher batalhou tanto para sua formação, para entrar no mercado de trabalho e ter independência financeira que se desatualizou das questões emocionais e afetivas dela. Está com o pé na porta para ela não se fechar de novo. Se ficar paralisada ali com o pé na porta, não consegue realizar suas coisas íntimas. É como se tivesse deixado essa parte afetiva em standy by porque precisava se firmar em outras frentes. Uma vez, uma paciente que estava numa fase de troca de emprego marcava suas entrevistas de seleção e fazia questão de ir ao cabeleireiro antes. “Sinto-me mais poderosa depois de uma escova“. Estar com o cabelo em ordem era uma preocupação genuína dela, era o feminino dela.

Lola: Para as mulheres, qual é o peso da vida amorosa?

Luiz Cuschnir: Há muitas mulheres que ainda estão com essa sensação de que está faltando algo em sua vida se não têm um relacionamento amoroso. Realmente, ele é um elemento muito importante porque completa um ciclo da mulher.Mas, cada vez mais, vejo mulheres se sentindo realizadas sem isso – do ponto de vista profissional, da organização da vida, de ter uma vida social e cultural prazerosa. Se surgir um relacionamento amoroso, muito bem. Se não, tudo bem também.Elas estão satisfeitas com o que estão vivendo.Certamente, esse é um perfil de uma mulher poderosa e conquistadora. É o amor pelo que se construiu, pela vida que faz o ciclo dessa mulher. Mas é difícil ver uma mulher que está assim tão bem na vida não conseguir encontrar o amor. Quando a mulher está bem com ela, encontra também as relações para ela.

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