Entrevista concedida para a Revista Criativa
Nicole Ramalho: Muitos pais possuem a guarda dos filhos atualmente. O que mudou na sociedade para que isso passasse a acontecer?
Luiz Cuschnir: A partir do movimento feminista e da emancipação das mulheres, muito dos seus papéis foram deslocados e ampliados. Todo grupo, quando se movimenta, se transforma e provoca um novo reagrupamento dos seus integrantes, uma nova redistribuição dos papéis que eles exercem dentro dele. Tudo era de um jeito bem diferente: mulheres na casa, cozinha, com filhos, e homens fora, trabalhando e ganhando dinheiro. Neste caso, as mulheres estavam totalmente imersas e responsáveis na sua atribuição dos cuidados domésticos educacionais quanto aos seus filhos. Elas saíram do lugar tradicional, ocuparam outros tantos como ambientes profissionais, intelectuais e econômicos. A redistribuição do poder na sociedade como um todo, nestas esferas como em outras tantas, provocaram novos vínculos familiares também, assim como as funções foram sendo redistribuídas, permitindo novos arranjos. Como falo neste último livro “Os Bastidores do Amor”(Ed. Allegro), onde abordo as faces ocultas do amor, mostro as várias maneiras de como as pessoas podem se libertar de conceitos que as aprisionam nas relações afetivas, inclusive com os filhos. São os novos tempos, das relações entre homens e mulheres, nas relações de amor em geral.
Nicole Ramalho: Os papéis estão se invertendo ou se complementando?
Luiz Cuschnir: Pode-se dizer que ambos: se invertem porque um assume o que era praticamente só do outro, e se complementam porque o que falta, ou sobra no outro é suprido. Era tácito que a mulher como educadora, deveria ser a que mais contato teria com os filhos, seja do ponto de vista da organização das suas atividades, seja pelo tempo real que dispunha para orientá-los. Os homens seriam os maiores provedores, quando não os únicos. Com essa noção, além da de que eram inaptos para dar rumos afetivos aos seus filhos, não poderiam se misturar com a educação, já que ambos aspectos estão intrinsecamente ligados. A complementação da formação de um filho se dá quando ele pode ter acesso a pai e mãe, a visão masculina e a feminina, absorver de ambos os lados.
Nicole Ramalho: Há discriminação em relação a esses pais?
Luiz Cuschnir: A discriminação hoje em dia é bem menor do que havia em décadas anteriores. Homens que nem tinham uma guarda específica dos filhos, mas que até eventualmente gostavam ou queriam cuidar deles, eram vistos como inadequados, insuficientes, olhados com desconfiança quanto à masculinidade deles etc. Ainda há um preconceito em várias camadas sociais, em diversos ambientes culturais, de que a responsabilidade de acompanhar filhos ao longo do tempo do seu desenvolvimento seria da mulher. Também, certos casamentos não conseguem agüentar pais que não são tão bem sucedidos na carreira profissional e a mulher o ultrapassa no poder econômico. Eles não têm a valorização do cuidado com os filhos, se o fizerem. Se ficarem com a guarda deles em caso de separação, não serão tão prestigiados do que se sustentarem economicamente a todos. Isso revela discriminações perante esse homem/pai.
Nicole Ramalho: Os pais estão assumindo o papel de mães ou fazem seu papel mesmo (que é diferente)?
Luiz Cuschnir: Sempre me posicionei contra a denominação de atividades de homens com seus filhos como “maternais”. Quando introduzi o termo “masculismo” como correspondente ao feminismo, estudando evidenciando as características deles, eu estava marcando também seu território do ponto de vista social, afetivo e conceitual. Nunca acreditei que o fato de mulheres cuidarem sozinhas de filhos, deveriam exercer as funções paternas mas sim evidenciar a falta dos homens para serem preenchidas quando possível. Assim como mãe não consegue, pai também não. Cada um deve exercer o seu papel a partir do seu próprio referencial de gênero. Não é porque um pai cuida de um filho, mesmo que pequeno ele deve ser chamado de maternal. Ele pode fazê-lo da perspectiva de um homem, portanto como pai. Acompanhar estudos, cuidar da higiene, ensinar bons hábitos devem ser realizados desta maneira.
Nicole Ramalho: O comportamento de homens e mulheres em relação aos filhos é diferente. Isso se deve ao chamado instinto maternal?
Luiz Cuschnir: O termo instinto maternal está carregado de preconceitos que têm a função também de prender a mulher e causar-lhes culpa se não tiverem voltadas totalmente aos filhos. Como descrevo neste livro que mencionei, onde o subtítulo é “As buscas e os sentimentos eu invadem os relacionamentos e como lidar com eles”, conceitos que pessoas vão adquirindo como atitudes que devem exercer acabam sem poder redimensioná-las quanto à própria essencial e momento existencial.
Nicole Ramalho: Os pais passam a adquirir comportamento referente ao instinto maternal por estarem cuidando mais dos filhos?
Luiz Cuschnir: é claro que precisa-se adequar as relações para sua real dimensão, percebendo quem é o seu interlocutor, quem está do lado de lá para receber o que se está passando. Não há necessidade deles se utilizarem do instinto maternal, pois o homem tendo internalizado suas experiências anteriores vai utiliza-las a partir disso. O cuidado será realizado de acordo com o envolvimento emocional que ele tem com o filho. Quanto mais apegado, interessado e for acompanhando o seu desenvolvimento emocional, vai utilizar o seu próprio referencial “instintivo”, que pode ou não coincidir com o de uma mãe. Ele deve ter a liberdade de desenvolve-lo sem se prender a imitar uma mulher nisso. O que não deve ser feito é catalogá-lo como feminino, maternal etc. Homem que é homem cuida de filho.