As Sem Filhos

O Estado de São Paulo – 10/07/10

Luiz Cuschnir, supervisor do Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, fala das agruras da mulher quando tem de decidir entre ter ou não ter um filho.

A mulher precisa ser mãe para se sentir completa?

É quase impossível dizer que ser mãe completa a mulher. Há muitas que são mães, mas sempre buscam e esperam várias outras coisas da vida, que correspondem ao reconhecimento de suas qualidades e sentimentos. Agora, a maternidade dá a sensação de completude sim, de completar mais um pouco (ou bastante). Em trabalhos que faço, procuro evidenciar o espaço que a maternidade ocupa, porcentualmente, na vida de uma mulher, e tem o mínimo de 30%.

Existe uma fórmula para tomar a decisão correta?

Quando a mulher realmente se conhece, tem um projeto de vida consistente e está amadurecida, mais condições terá de decidir. Separar o que é circunstancial do que é essencial para sua vida pode ser uma fórmula para chegar a alguma decisão.

O que fazer quando há uma pontinha de dúvida?

A dúvida indica imaturidade, no mínimo. Isso, quando não considerado, pode acarretar dificuldades futuras, como depressão pós-parto ou demais quadros psicológicos.

E como ter certeza de que, no futuro, não haverá arrependimento?

Não se consegue certeza em nada. A vida será sempre muito diferente pelo simples fato de se ter um filho: maternidade é para sempre. E quem tem precisa saber que vai sofrer, por um motivo ou outro. Mas é difícil aparecer nos meus atendimentos alguma mulher que tenha se arrependido por ter virado mãe, mesmo aquelas que passam por fases de intenso sofrimento na relação conjugal ou na maternidade.

Segue abaixo a reportagem da entrevista com Dr. Cuschnir:

As sem-filhos

Contra a natureza e a pressão social, algumas mulheres decidem não procriar e são felizes assim

10 de julho de 2010 –
Cristiana Vieira

Elas não sabem o que é ter um chá de bebê, não ganham presentes no Dia das Mães, nunca tiveram atendimento preferencial em locais públicos e economizam as calorias dos quitutes e docinhos de festas infantis. São mulheres que optaram por seguir a vida sem dar continuidade à própria espécie. Escolheram não ser mãe.

Apesar dos avanços e conquistas femininas, a coordenadora pedagógica Dinalva Torres Nellessen tem a impressão de que a escolha pela maternidade é uma questão social, até para efetivar um relacionamento. “Além dessa pressão, muitas pessoas têm filhos pensando em projeção, em dar continuidade à vida, em ter um esteio para a velhice. Mas é muito difícil admitir isso.”

Para Dinalva, ter filho pode ser uma escolha. E escolha implica responsabilidade. Conhece pessoas que criam um estilo de vida só para procriar. Em seu convívio profissional, sempre observou a dificuldade que as mães têm de conciliar vida profissional e maternidade. “E a desvantagem fica para o filho, cuja educação é simplesmente terceirizada”, observa.

Logo que se casou, há 20 anos, Dinalva e o marido Carlos decidiram fazer outra faculdade, um curso de Filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Estudavam muito e também militavam politicamente. Portanto, não pensavam em bebês. Logo os parentes começaram a campanha por um novo membro na família. A sogra foi a primeira a perceber que eles não teriam filhos. Dizia que o casal que pensa muito acaba optando por não tê-los. Mesmo assim, fez um casaquinho de tricô, que acabou indo para outro neto.

O que pesou para a decisão de Dinalva foi o fato de não abrir mão das suas atividades culturais, viagens, enfim, da liberdade. “Fiz a opção para meu modo de vida, sem culpa”, assume. “As mães têm o retorno afetivo, mas também correm o risco de não terem isso”, completa.

Ficou ainda mais segura com a escolha quando passou a observar os amigos que se tornaram pais e, em consequência disso, se afastaram do convívio social. Sua grande companheira de noitadas deixou de encontrá-la quando engravidou. Teve três filhos e, uma década depois, admitiu, com todas as letras, invejar o estilo de vida de Dinalva.

“Mesmo amando as crianças e acreditando que ser mãe é maravilhoso, ela disse que, se pudesse voltar no tempo, reeditaria sua vida”, lembra. Também cita uma viagem que fez com amigos, que deixaram os filhos com parentes, mas, mesmo assim, não foi nada tranquilo, pois eram interrompidos toda hora para atender aos telefonemas dos familiares. E ainda lembra os casos de separação após a chegada da prole.

Para tomar tal decisão, Dinalva e Carlos pensaram em tudo. Inclusive, imaginaram-se sozinhos na velhice. “A vida que construímos não se encaminha para o vazio de uma velhice sem filhos. E sempre há o risco da decepção quando se conta com eles nessa fase da vida. Acho que vou continuar indo ao cinema, ao teatro e lendo muitos livros. Não sei o que perdi, prefiro acreditar que eu fiz a escolha certa.”

Ter ou não ter. A jornalista Valéria Forner escreveu o livro Quero Mesmo Ser Mãe? (Editora 7 Mares), com outras duas colegas de trabalho – Maristela Tesseroli, mãe de duas meninas, e Renata Freitas, mãe de um garotão. A decisão de não procriar estava muito bem resolvida na cabeça de Valéria desde os 13 anos, quando escolheu ser jornalista e não ter filhos. “Mãe tem de ser muito presente. Pela profissão que escolhi, sabia que não seria assim. Maternidade implica dedicação, participação, e eu não conseguiria cumprir isso.”

Valéria sempre gostou de crianças. Tem quatro afilhados e é a tia coruja de outros quatro sortudos, aos quais se dedica como pode para ajudar no desenvolvimento pessoal deles. “Decidir não ter filho é uma atitude difícil. Sou bem resolvida com minha decisão.”

Outra que abriu mão de ser mãe é a dentista Sibele Mourão Ferreira, casada há 16 anos. Quando conheceu o marido, ele deixou bem claro que não gostaria de ter filho. Namoraram seis anos e Sibele ficou sossegada, achando que, quando casassem, o convenceria a mudar de ideia. Mas o fato é que ela própria não tinha certeza se queria ser mãe e, assim, ficou acomodada com a situação. Acabou concordando com o marido, e hoje é convicta de que fez a escolha certa. “Sou muito realizada na profissão e no casamento. Se tivesse me arrependido, adotaria uma criança.”

Sibele diz que seu amadurecimento a ensinou que a mulher deve estar preparada para ter filho, pois tem de se dividir entre os papéis de mãe, esposa, profissional e mulher. Além disso, diz que sempre ouviu a mãe dizer que a vida começa a dois e acaba a dois. “Não dá para criar filho pensando na velhice.”

Sua profissão a completa, mas, às vezes, a deixa exausta. é quando se dá conta do quanto é bom chegar em casa e simplesmente curtir o silêncio, assistir à novela e ficar numa boa, enquanto o marido também curte sua privacidade. “O casal que se complementa não busca na criança a afetividade que não tem com o parceiro.”

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