Páginas Amarelas de VEJA por Juliana de Mari- abril/2000
Psiquiatra diz que os homens estão em dúvida sobre o papel masculino e não sabem mais como lidar com as mulheres.
“O homem é o sexo frágil. Está obcecado pelo trabalho e assustado com a obrigação de dar prazer à mulher”
O psiquiatra paulistano Luiz Cuschnir especializou-se num autêntico vespeiro: a guerra dos sexos. Depois de vinte anos de trabalho, sua conclusão é que os homens se tornaram o sexo frágil. São eles que estão à beira de um ataque de nervos, atordoados com a revoada feminista, infelizes e vulneráveis. Nem no sexo estão à vontade, pois se sentem na obrigação de dar prioridade ao prazer da parceira. Cuschnir já trabalhou no Men Center®, um serviço médico em Washington, onde conheceu experiências de atendimento específico para homens, e hoje coordena o Gender Group® do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo. Foi ele quem trouxe para o Brasil o conceito de “masculismo”, movimento inspirado no feminismo e que pretende vasculhar a vida emocional dos homens para ajudá-los a enfrentar a crise de identidade da vida moderna. Aos 50 anos, autor de dois livros sobre o assunto, Homem, um Pedaço Adolescente e Masculino, Como Ele Se Vê, Cuschnir falou a VEJA
Veja: O homem virou o sexo frágil?
Luiz Cuschnir: Neste momento, o homem é o sexo frágil, sim. Ele está assustado, obcecado pela realização profissional e pela obrigação de garantir o prazer feminino. A mulher tem muito mais jogo de cintura em suas relações profissionais, sociais e familiares do que o homem, apesar de historicamente ter sido estimulada a agir de maneira mais delicada e a limitar seus domínios ao lar. O homem não consegue lidar com a flutuação de emoções que existe nas relações humanas em geral. Ele não sabe o que fazer com suas emoções.
Veja: Os homens já não sabem comportar-se como homens?
Luiz Cuschnir: Os homens de hoje estão falidos em seu papel masculino. Eles sentem-se infelizes, nervosos e vulneráveis. Uma boa parte deles sofre de séria insegurança financeira, o que afeta diretamente sua condição de macho. Isso porque o trabalho é o pano de fundo da identidade masculina. O homem imagina que quanto mais dinheiro, quanto mais prestígio, mais macho será diante da sociedade. Por isso, busca como nunca a realização profissional. Ao mesmo tempo, demonstra uma ânsia incomensurável por atingir a tranqüilidade emocional. Do ponto de vista afetivo, ele não consegue se realizar e menos ainda se dedicar à mulher e à vida familiar como gostaria. Isso ocorre, primeiro, porque não foi ensinado a fazer isso. Segundo, porque está muito insatisfeito com sua relação com as mulheres. No fundo, segue acreditando que elas o escolhem por sua posição profissional.
Veja: Por que ainda pensam assim num momento em que as mulheres ocupam mais espaços profissionais e conquistam tanta autonomia?
Luiz Cuschnir: O homem não consegue delegar completamente à mulher o papel de provedor da casa. Esse é um dos assuntos em que vive em eterno conflito. Não expõe isso de forma clara porque teme ser chamado de explorador ou incapaz. Não é só um problema masculino. Na ótica feminina, o insucesso profissional não deixará de ser visto como uma espécie de fracasso nos deveres da masculinidade. Uma mulher que vive com um homem de nível profissional inferior ao dela tende a esperar que ele tenha maior participação nos compromissos financeiros do casal. é claro que muitas mulheres estão sozinhas, são chefes de família, viram-se muito bem e não dependem de um homem. é um paradoxo. Se está sozinha, a mulher assume com tranqüilidade o ônus financeiro. Mas, se tem uma relação afetiva estabelecida, tende a se sentir constrangida quando assume o papel de provedor da casa.
Veja: Foram as mudanças no comportamento feminino que provocaram a crise no homem?
Luiz Cuschnir: Elas se sentem um pouco responsáveis, mas não foram elas. A culpada é a sociedade, que estabelece papéis para cada um dos sexos. Ainda se espera que o homem seja forte, bem-sucedido, que esconda seus medos. Na verdade, a crise do homem vem de uma profunda transformação no papel masculino diante do novo papel feminino. O homem sente-se absolutamente desconfortável com tanta transformação em sua vida familiar e afetiva. Numa família classe média, ele ainda não aceita tomar conta da cozinha, limpar o banheiro e organizar a compra do supermercado. A área em que o homem está evoluindo com mais sucesso é a relação com a paternidade.
Veja: Como isso ocorre?
Luiz Cuschnir: Antes era importante ser pai para conquistar o respeito da sociedade. Era quase uma obrigação para validar seu papel de macho. Agora, ele começou a perceber que se pode ganhar bastante na relação com os filhos. Uma vida afetiva em ordem é excelente vitamina para a identidade do homem. Como as coisas estão malparadas com a mulher, ele está começando a melhorar sua vida pela relação com os filhos. Eles dão ao homem a estabilidade emocional que tanto procura. O pai hoje retribui com muito mais afetividade do que no passado. Não são mais só as mulheres que estão educando as crianças.
Veja: Como isso tudo se reflete na vida sexual do homem?
Luiz Cuschnir: O homem hoje está obcecado pelo prazer feminino porque é daí que virá sua diplomação de masculinidade. Por incrível que pareça, tem muito homem que não sabe a diferença entre ejaculação e orgasmo, que não conhece o próprio prazer. A liberação sexual trouxe junto a acusação de que o homem não dava a mínima para a mulher. Veio a cobrança pelo homem sensível na cama. Isso acabou virando uma ditadura ao contrário: a do prazer feminino. O sexo é, portanto, o distintivo que confirma a condição de macho, e é a mulher quem outorga a ele esse diploma. Na hora em que um homem entrega esse direito à mulher, cria-se uma situação anômala. As mulheres não entendem quase nada de homem. Muitas nem sequer sabem que região do pênis lhe dá mais excitação. Sexo para esse homem em crise pode estar virando uma coisa mecânica. Quase como se ele fosse ao banheiro uma vez por dia. Ele passa a “cumprir” o dever de fazer sexo.
Veja: O senhor defende uma espécie de feminismo ao contrário, o masculismo. O que vem a ser isso?
Luiz Cuschnir: O objetivo principal do masculismo é tentar reverter o mito de que o homem não precisa de ajuda, não precisa de tratamento, não precisa de proteção. Não é uma reação ao feminismo. é uma complementação do movimento das mulheres. O masculismo, como é próprio dos homens, está crescendo na surdina. O feminismo foi uma guerra porque precisava atuar com firmeza para conquistar o espaço devido às mulheres e para seu reconhecimento como ser humano por inteiro. O masculismo não tem esse afã. Ele se propõe a fazer pesquisas sobre o entendimento da vida emocional masculina, a atender o homem do ponto de vista psicológico e físico. Vai tentar, no futuro, influir na legislação, para criar programas de proteção ao cidadão do gênero masculino. Já existem braços fortes do movimento em várias partes do mundo. Os homens que lutam pela guarda dos filhos no Canadá, por exemplo.
Veja: Como os brasileiros reagem à idéia de deixar para trás o mito do super-homem?
Luiz Cuschnir: Quando lancei o primeiro grupo de estudo de gênero de homens no Brasil, no início dos anos 80, a tendência geral era reagir com muito preconceito. Diziam que o homem não precisa de ajuda ou consideravam a proposta típica de um grupo de gays. Isso começou a mudar na década de 90, quando outros pesquisadores perceberam a crise masculina e a importância de oferecer ao homem ferramentas para que aprendesse a lidar com a vida emocional de maneira mais tranqüila. Os homens desejam ardentemente mais qualidade de vida e sabem que isso implica abandonar os velhos mitos da masculinidade.
Veja: Por que é tão difícil para um homem falar sobre suas angústias?
Luiz Cuschnir: O homem não fala de suas angústias porque está se preservando da possibilidade de ser criticado. Ele é educado para não passar vergonha, para nunca ser chamado de tolo. Obriga-se o menino a enfrentar precocemente situações para as quais ele pode não estar preparado, mas tem de ir em frente porque é homem. Não pode ter medo dos colegas, não pode voltar chorando para casa, porque corre o risco de demonstrar excessiva sensibilidade. E sensibilidade, para um homem, é sinônimo de fragilidade. Ele entra na vida adulta com as emoções resfriadas.
Veja: As mulheres adoram discutir a relação, coisa que os homens odeiam. Vale a pena insistir nisso?
Luiz Cuschnir: é um perigo. Em princípio, um homem evita entrar numa discussão se não tiver domínio do assunto em pauta. Não pode discutir a relação porque se trata de um tema para o qual não está preparado. O homem sabe muito pouco sobre as próprias emoções, embora tenha sentimentos intensos. Outra razão para ele evitar conversas sobre assuntos emocionais decorre do medo de expor as próprias fraquezas. O que teme, acima de tudo, é que a mulher se aproveite das confidências para tratá-lo como um fraco.
Veja: O que as mulheres devem fazer?
Luiz Cuschnir: A relação com o homem é muito cheia de dedos, porque ele está muito vulnerável. A mulher deve agir como se estivesse fazendo uma pesquisa numa múmia. Se fizer qualquer movimento brusco, a múmia vira pó. Primeiro, ela tem de mobilizar o afeto dele, com contato físico, não necessariamente numa relação sexual. Ela vai chegar lá pelo feminino, não pelo racional ou pelo assertivo. Não dá certo tentar dialogar na língua dele. Se ela o constrange a falar, ele dirá um monte de mentiras só para acabar logo com a conversa que julga desagradável. Quando se sentem acuados, os homens são os maiores mentirosos do mundo.
Veja: Que tipo de mulher os homens consideram confiável?
Luiz Cuschnir: é aquela que permite que ele exponha seus sentimentos sem depois vir com cobranças. Se ela usar as confidências contra ele, danou-se. Por outro lado, o homem é um conquistador nato e valoriza a mulher que o obriga a lutar por ela. Gosta de desafios. Aquela que o aceita de qualquer jeito fica como última opção.
Veja: Esse homem em transformação entende o universo feminino?
Luiz Cuschnir: A grande descoberta que fiz depois de tantos anos de estudo é que o homem entende de mulher muito mais do que a mulher entende de homem. Ele sabe que elas estão esperando um sujeito bem-sucedido, potente sexualmente e que possa oferecer-lhes segurança em todas as áreas da vida. Por outro lado, elas também querem um homem sensível. Os homens entendem as mulheres. Se não correspondem é porque não querem. é porque não confiam nas mulheres.
Veja: A chegada do Viagra ajudou de alguma forma?
Luiz Cuschnir: Nove em cada dez casos de impotência decorrem de problemas emocionais. Num caso de crise conjugal, o Viagra pode funcionar num primeiro momento. Sozinho, contudo, não resolve problemas de relacionamento.
Veja: O homem tende a trair a mulher quando os problemas começam a se agravar?
Luiz Cuschnir: O relacionamento extraconjugal só atrapalha. O novo homem está começando a perceber que, se não cuidar da vida afetiva, conjugal e familiar, o casamento acaba mesmo. Não existe mais aquela história de ter duas, três, dez mulheres e continuar mantendo as aparências no casamento. A mulher hoje dispensa o homem com facilidade. Ela prefere viver sozinha a suportar a infidelidade. O risco que o marido corre não é ser trocado por outro homem, mas por uma vida melhor. Acabou a era da supremacia masculina.
Veja: A separação assusta os homens?
Luiz Cuschnir: Sim. Separação e desemprego, nesta ordem, são os grandes cataclismos na vida de um homem. O desemprego significa que ele fracassou no papel de provedor. De forma similar, a separação é entendida como a incapacidade de manter uma família. O homem pode até partir para outra relação mais rapidamente que a mulher, mas é por pura incompetência para se manter sozinho. Com a mulher não é assim. Não é por falta de candidato que tantas permanecem sozinhas. é porque estão bem resolvidas emocionalmente em outros aspectos da vida. Afinal, é ela quem fica com os filhos e a estrutura familiar.
Veja: Nesse sentido, os homens dependem das mulheres?
Luiz Cuschnir: Todo homem tem grande dependência emocional da mulher. Maior do que a dela em relação a ele. A diferença é que ela expressa seus sentimentos alto e bom som. A mulher é vital para que o homem possa manter a estabilidade psicológica de que precisa para resolver seus conflitos internos.
Veja: Os homens eram mais felizes antigamente?
Luiz Cuschnir: No passado, os homens não tinham noção clara da própria insatisfação. Em decorrência disso, morriam mais cedo e passavam pela vida muito deprimidos, sem procurar ajuda médica. Hoje, eles estão mais conscientes do peso que representa o papel masculino como provedor e amante. Aprenderam a reclamar e já não escondem suas angústias como no passado. Não há como negar, contudo, que estão mais tristes.