O Estado de São Paulo – setembro de 2002 – por Paulo Pinto
É o fim dos durões. O homem sabe ser sensível: Ele está muito mais afetuoso e participativo; e já não pensa só na carreira
A família de Pedro Gasparini:
“Não me daria bem com um machista“, diz a mulher, Luciana.
Se depender dos homens, foi-se o tempo dos durões. Eles querem mais do que realização profissional. Estão dispostos a tirar o terno e a gravata para mostrar que também são sensíveis, afetuosos e interessados em participar da vida familiar. A tendência, percebida em homens de classe média, é confirmada por estudos do Gender Group® do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas.
Criado em 1995, o Gender Group® é um modelo de terapia para desenvolver o relacionamento entre os gêneros masculino e feminino.
“Ao homem de hoje, é permitido que demonstre afeto“, diz o psiquiatra Luiz Cuschnir, coordenador do Gender Group® do IPq, que acaba de lançar o livro “Homens sem Máscaras: Paixões e Segredos dos Homens” (Editora Campus).
“Mas a grande transformação masculina é a preocupação com o desenvolvimento dos filhos.”
Com apenas 25 anos, Roberto Vila Nova ocupa um cargo de responsabilidade numa grande empresa: é gerente de produto. Mas não basta. Roberto quer mais.
Enquanto construía o começo de sua carreira, ele também investia na vida pessoal. Agora, está com casamento marcado para novembro.
“Já penso em como vou me organizar para dividir a tarefa de criação dos filhos. Quero ir ás reuniões de escola, por exemplo.” E a idéia não é vista como um fardo, mas uma participação prazerosa.
“Ele sempre fala da vontade que tem de participar da vida dos filhos“, confirma Luciana Kojima, de 24 anos, noiva de Roberto.
Como base do relacionamento entre homens e mulheres, Roberto destaca compreensão, fidelidade e respeito. Comportamentos que fogem do padrão do estereótipo de homem durão. Roberto não deixa nenhum mal-estar permanecer sem ser esclarecido.
“Conversamos de forma aberta, sem medo de nos expor um para o outro“, completa Luciana.
“Acho até que falo demais“, brinca Roberto.
Prioridades – Quem pensa que ser homem é dar prioridade para a vida profissional se engana. O advogado Pedro Paulo Gasparini, de 35 anos, fez questão de comparecer á primeira festa junina de sua filha Isabella, de 2 anos.
“Foi em junho, era uma manhã de dia de semana. Mesmo assim, desmarquei compromissos de trabalho para poder estar com minha filha.” Não será diferente com o segundo filho que está a caminho.
Pedro Paulo admite, porém, que o fato de ser profissional liberal facilita a conciliação de trabalho e participação familiar.
Para a mulher do advogado, a procuradora Luciana Gasparini, de 32 anos, esse tipo de disposição que seu marido tem é fundamental nos homens de hoje.
“Não me daria bem com um homem do tipo machista“, afirma ela.
Demonstrar sentimentos não é dificuldade para Pedro Paulo.
“Ele tem até mais facilidade do que eu“, confessa Luciana, que admira, respeita e aceita a emotividade masculina. Pedro Paulo é capaz de fazer declarações de amor para a mulher na frente de amigos, por exemplo.
“E eu gosto dessas surpresas que ele me faz“, diz Luciana.
“Acredito haver mulheres que esperam o homem durão e até cobram isso de seus companheiros, mas elas são minoria“, completa Pedro Paulo.
O professor de português Heric José Palos, de 35 anos, é mais um do time de novos homens. Casado há quase quatro anos, ele acredita viver em um tempo em que a masculinidade é mais simples.
“Não temos de provar nada. A cobrança que o homem sofre para ser sempre o forte é menor.” As censuras também são reduzidas. “Uso rosa numa boa, até gosto“, brinca.
“Em casa, não temos papéis definidos, ele sendo o homem da casa e eu, a mulher“, diz a cirurgiã dentista Natascha Zanetti Palos, de 27 anos, mulher de Heric.”É uma vida em comum. Uma espécie de parceria que tem conta conjunta no banco e, ao mesmo tempo, respeito á liberdade de cada um. Ainda há mulheres que trabalham fora e acham que o salário do homem tem de dar conta das despesas da casa, não o delas. O que elas ganham é só para gastar com elas mesmas“, critica Natascha. Para ela, esse tipo de comportamento é resquício do passado, quando homens eram chefes de família e mulheres, donas de casa.
Nos homens mais velhos, cobranças antigas e ultrapassadas podem ser maiores. Para o empresário Waldemar Calil Filho, de 55 anos, ser homem ainda significa ser o Deus da família.
“Isso está mudando, mas ainda existe cobrança de que o homem tem de agüentar e resolver tudo.”
Infalível – Waldemar é casado, tem três filhos e dois netos.
“Parece que o homem não pode errar, tem de ser infalível.” Mas, segundo Waldemar, quem mais o cobrou foi a sociedade, não sua família. O resultado da sensação de sobrecarga foi um enfarte aos 48 anos.
“Cheguei ao hospital enfartando e sai com três pontes de safena.”
“Algumas mulheres ainda querem homens que as protejam e que também sejam sensíveis“, completa o fotógrafo Alex Salim, de 48 anos.”É como se elas estivessem perdidas entre o novo homem e o antigo.” Alex é solteiro; namora há dois anos.”Pode dar casamento“, revela.
Da mesma geração de Alex, o engenheiro eletrônico Lutero Márcio Rocha, de 47 anos, tem certeza de que seu filho de 19 anos sofrerá menos cobranças para ser um homem durão. Lutero é separado há três anos e pai de um casal de adolescentes.
“Para mim, vida profissional e pessoal se completam, mas o mais importante mesmo é a pessoal. é com ela que conseguimos nos realizar mais.”
Para a clássica reclamação feminina -“ele é um insensível mesmo”-, há uma resposta.
“Se os homens não demonstram afeto, é porque não querem, não porque não sabem fazê-lo“, diz Cuschnir. Boa parte dos homens já deu o primeiro passo: eles querem substituir força e agressividade por afeto.
Ainda há um problema sério: as cobranças
Muitas vezes, a necessidade de assumir certos comportamentos se reflete no corpo. Nervosismo, uma certa tristeza e até enxaqueca. Sintomas que invadiram o mundo masculino. Dispostos a demonstrar mais afetividade, os homens ainda se sentem censurados. As cobranças acabam provocando reflexos no corpo. Mesmo assim, eles são otimistas: não se entregam á doença e estão mais satisfeitos com a vida em geral do que as mulheres.
Os homens ainda têm medo de se expor.
“Refrear a afetividade é uma imposição da cultura ocidental para os homens“, diz o psicólogo ênio Brito Pinto, do Instituto Gestalt de São Paulo. Para se proteger, eles se escondem por trás do que os especialistas chamam de máscaras. Pretendem ser o que não são e acabam confusos.
A confusão é menor nas gerações mais jovens.
“Esse homem sabe o que é máscara e o que é o interior dele mesmo“, explica o psiquiatra Luiz Cuschnir, coordenador do Gender Group® do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas.”Os mais jovens já aprenderam também que, na relação com as mulheres, nem tudo é para ser exposto.” Os homens valorizam a privacidade.”E entendem desse valor melhor do que as mulheres“, completa Cuschnir.
Se, no passado, o homem era obrigado a se encaixar em modelos prontos de conduta, hoje é diferente.
“Ele pode escolher seu modo de ser“, diz Pinto.”Os modelos do passado foram questionados.” Segundo os especialistas, o primeiro passo que os homens precisam dar é reconhecer que estão mais afetivos.
A mudança no perfil dos homens fez carreira no feminismo. Nos anos 70, as mulheres saíram de casa para trabalhar. Vinte anos depois, na década de 90, era a vez dos homens mostrarem que tinham se adaptado a mulheres independentes. Foi nessa época também que o masculismo chegou ao Brasil.
“Masculismo é o estudo do comportamento masculino, em busca da definição dos novos valores do homem na atualidade“, define Cuschnir.
Ao longo da vida, o homem passa por várias etapas de confirmação de sua masculinidade. Os primeiros conflitos de identidade surgem logo na infância. O menino se mistura com o mundo feminino por causa da relação de proximidade com sua mãe. Em seguida, ele começa a sentir necessidade, ainda que inconscientemente, de provar ser diferente da mulher.
É nessa fase que o menino procura outros meninos, rejeitando as meninas.
“Essas etapas são instintivas. A criança não sabe o que está ocorrendo“, esclarece Cuschnir.
Fases – A adolescência agrupa outras duas fases do desenvolvimento do homem. O primeiro desafio é provar não ser homossexual. Em seguida, tem de provar virilidade. Fumar, beber e se opor a tudo são os comportamentos usados pelo adolescente para isso. Cuschnir alerta que essas provas podem significar risco.
Ao chegar á idade adulta, o homem tem mais uma prova de fogo. Ele se prepara para incorporar o papel de profissional de sucesso. Finalmente, ele parte para as duas realizações pessoais: casamento e paternidade.
“É nessa fase que o homem está pronto para resolver seus conflitos, exercitar seus vários papéis e viver plenamente“,diz Cuschnir.
Mas a vida adulta está chegando com atraso para os homens, segundo Pinto. O período da infância diminuiu. Em compensação, a adolescência anda se estendendo além da conta.
“O fenômeno é percebido mesmo entre homens que já trabalham e são independentes financeiramente.” São homens adultos com comportamento adolescente.