Pergunta: Como é que você define essa essência feminina? Existe uma essência feminina? Existe uma natureza feminina? Do que é que ela é composta?
Luiz Cuschnir: Tem essa questão muito típica da mulher, e eu vou estar falando muitas vezes da mulher em relação ao homem, porque, por mais que a mulher não se defina tanto a partir do homem mas o contrário existe o homem se define a partir da mulher. A mulher se define por ela só e o homem não.
A mulher tem essa característica de expressar muito e muitas vezes de entender pouco, ela expressa muito mais do que ela entende. Ela se coloca muito mais do que ela consegue realizar dentro dela o que ela está querendo realmente transmitir. Ela transmite muito melhor do que o homem, mas capta muito pior do que o homem. Isso vocês já sabem o que eu vou falar agora, e é uma coisa que é mais fácil traduzir. Quando eu falo assim, o homem entende muito mais a mulher do que a mulher entende o homem, a mulher diz:
“Imagina! Como? Absurdo! Impossível!”
A seqüência disso, é claro que é, as mulheres se expressam muito mais, elas são mais transparentes, elas são mais insistentes, elas são mais repetitivas, elas falam mais, elas comunicam muito mais, elas dão todas as dicas. O homem não dá nenhuma dica, dá menos dicas, ele se esconde. Então, o que é que acontece, a mulher acha que é a mesma coisa, que o comunicar é entende, e não é, uma coisa é comunicar e outra coisa é entender. Então, tem essa questão: a mulher tem essa coisa da exposição, da expressão muito bem resolvida. A mulher desde muito pequena está acostumada a se expressar.
E nesse campo que a gente está falando, que a gente está tocando, a gente pode imaginar o sabonete passando pelo corpo dela, ou o xampu, é no momento íntimo dela, é onde ela está em contato com ela mesma, essa questão do corpo, do toque, da sensibilidade, a mulher tem isso muito facilitado, sempre. Assim como ela tem facilitado o toque com a intimidade dela, com a sensibilidade dela, com as emoções dela. Então, desde pequena, e existem alguns estudos em Harvard Hospital, vários estudos onde se vê, são essas coisas malucas se pesquisa, onde se olha um menino e uma menina sendo educados, o menino é educado com palavras de agressão, de luta, de poder, de raiva. Raiva é uma palavra chave, raiva e todos os seus sinônimos. Isto não é só Brasil, isso é em todo o mundo. Eles são educados muito mais com essas palavras, isso quando se fica examinando, sabe pai que fica educando criança pequena examinando quantas palavras usa. O vocabulário com que são educadas as meninas é de amor, afeto, carinho, claro que aí tem os subitens do tom de voz, do toque. Mas pegando essas coisas que são mais quantificáveis, que dá para você contar, falou tantas vezes essa palavra, tantas vezes aquela, não é nem pela sensibilidade, tantas vezes falou palavras de amor e carinho, muito mais para menina.
Então a menina já chega no mundo, e aí a gente já começa a falar um pouco dessas fases, porque elas são assim, ela já chega no mundo acostumada, estimulada, e a gente sabe que estímulo contínuo é marketing, é estímulo, está sendo estimulada a sentir, está sendo estimulada a se expressar, “põe para fora o que você está sentindo”, “fala das tuas dúvidas”, “fala dos teus medos”, “fica com medo”, “fica com dúvida”. Pode ficar, está autorizado.
Então, a menina, desde pequena, até quando ela vai para a escola ela pode ficar insegura, essa é uma diferença entre meninas e meninos, ela pode não querer sair de casa, ela pode querer ficar mais protegida, ela pode querer ficar na barra da saia da mãe, ela pode essas coisas todas, ao contrário do menino que é o oposto. Aí já vai sendo plantado esse terreno que é o terreno do “toma cuidado com você”, “cuide-se”, “se proteja”. E ao mesmo tempo é “sinta”, “perceba”, “entenda”, e claro que, na hora em que você vai Perguntando “e aí, o que é que você está sentindo aqui?”, “e isso aqui, você está vendo isso aqui?”, você vai mostrando, mostrando, mostrando, ela vai aprendendo que ela pode mostrar.
Então, esta é basicamente a essência feminina, que é essa coisa de que ela pode mostrar o que ela sente, ela pode se tocar, ela pode se sentir, ela tem esse direito, ela tem essa condição, e isso é treinado.
Pergunta: Você está colocando essa questão do treino, da educação, da permissão, do que esses dois seres, como eles se relacionam com o meio e o que o meio lhes permite ou lhes omite ou proíbe. O menino mais na linha da ação, do vai, do sai e a menina mais na linha do fica, do veja, das minúcias, do cuidado. Eu gostaria de saber se esse treino é feito assim, e o menino foi “escolhido” para isso e a menina foi “escolhida” para aquilo por algum outro motivo? Além do treino o que é que tem de essencial nesses dois seres de maneira que a gente possa colocar a menina nesse lugar e o menino naquele? Por que não se inverte? Por que não se educam as meninas para a ação e os meninos para os sentimentos?
Luiz Cuschnir: Não sei se é por causa dos seres, isso está na sociedade, isso está no imaginário popular, isso está nas expectativas do que a gente está falando do que é ser mulher e do que é ser homem. Aí estão os paradigmas, que não são os paradigmas institucionais, dos direitos políticos, não é por aí. Quando a gente fala de essência, a gente está falando de direitos emocionais, porque isso está na sociedade, que os direitos emocionais das mulheres são esses e os direitos emocionais dos homens são esses. Uma mulher que é educada como menino fica masculinizada, não tem dúvida. Você vai por uma menina, um bebê, e começa “vai para rua”, “vai, força, briga” não tem dúvida. Tem os hormônios, a gente tem uma percentagem dos comportamentos que têm influência dos hormônios, mas hoje, até esses estudos são super controvertidos, quer dizer, que a testosterona é que provoca a agressividade com os meninos? Ele pode contribuir, mas não é.
Pergunta: E com a maternidade?
Luiz Cuschnir: É lá na frente, é depois, a maternidade e paternidade só vai aparecer depois. Então, o que que é o respaldo para a maternidade? São todos esses aspectos de cuidados, sentimentos, e que de alguma forma, em algum aspecto está mudando, porque lá nos Estados Unidos, por exemplo, o pessoal do colegial em muitas escolas aprendem educação infantil, desenvolvimento psicológico, isso que a gente aprende nas faculdades eles aprendem no colegial. E aí tem alunos meninas e meninos. Quer dizer que hoje, com a sociedade mudando, os adolescentes meninos e meninas já estão aprendendo o que é uma criança, o que é um xixi, o que é um coco, o que é uma fralda. Os dois estão aprendendo, porque a gente sabe que os homens vão ser pais e as mulheres vão ter que trabalhar. Todo o mundo está ensinando as mulheres a trabalhar mas não estava ensinando os homens a cuidar. Isso já faz tempo, já estão ensinando as mulheres a trabalhar a muito tempo. Os homens estão muito atrasados.
Aí a gente cai no momento dessas meninas que vão sendo cada vez mais exigidas não só para aprende balé, não só para fazer culinária. Tem os preconceitos, inclusive, hoje em dia tem as mulheres que não podem aprender balé, que não podem entrar na cozinha, cada vez mais. E aí a gente se pergunta: vai mudar essa essência feminina? Uma parte dessa essência feminina em algumas mulheres tem grandes transformações. Por isso era importante ver aquilo das diferenças porque a mulher que for educada para trabalhar, trabalhar, trabalhar, ela não vai arrumar o cabelo dela mais, ela não vai engraxar o sapato dela, vai sair com o sapato esfolado, ela não vai mais saber fazer o cuidado íntimo. E a grande queixa dos homens hoje são as mulheres que cheiram mal. As mulheres que cheiram mal em tudo, quer dizer, fora a parte da questão do corrimento que realmente dá um cheiro ruim, mas tem uma brincadeira, que mais entre os homens se fala, que é o “cheiro de bacalhau”, que é o cheiro da vagina da mulher. Mas como um todo, hoje cada vez mais tem as mulheres que têm a transpiração também cheirando. E que são as mulheres que não cuidam mais de todos esses cuidados que deviam estar cuidando.
Pergunta: Tem uma mulher que trabalha e que precisaria se cuidar de um modo diferente, não basta dizer que não tem tempo, que sai de manhã e chega em casa à noite.
Luiz Cuschnir: Vai cheirar a bacalhau, e o cara, o chefe dela vai estar olhando e vai estar sabendo que ela não lavou o cabelo e que o cabelo está gorduroso e que alguns homens conseguem falar. Aí tem o perfil da mulher que sabe e não consegue lidar com isso e fica com medo do comentário dele. Isso ocorre na vida profissional. Na vida íntima, os casamentos vão desmoronando porque não têm intimidade, nunca teve na verdade, mas cada vez menos e precisaria ter mais, que é a intimidade do homem poder dizer para a mulher o porquê ele não se aproxima dela, porque não tem como chegar. Então nós estamos com a mulher aqui, que às vezes o chefe fala “você precisa estar melhor” e aqui o marido não fala “você precisa estar melhor”. Então o marido vai embora e ela não sabe o porquê, e o chefe começa a insistir até uma hora que ele a manda embora e ela também não sabe o porquê.
Claro que tem o oposto, tem a mulher que também manda embora os homens, muitas mulheres estão mandando embora os homens.
Pergunta: Eu queria voltar numa coisa que me parece importante. Virou meio senso comum, e algumas mulheres já estão meio de saco cheio, alguma coisa assim: a emotividade, a intuição são coisas atávicas, que nasceram com a espécie. O que você está colocando que eu entendi é o seguinte, isso daí tem um treino cultural absurdo, tanto é que se você treinar de outra forma, você olha por um outro ângulo e a fotografia sai diferente. Você consegue vislumbrar a possibilidade de existir alguma coisa nas mulheres que seja atemporal?
Luiz Cuschnir: Hoje a exigência no campo profissional é essa, da intuição, e aí os homens estão perdendo. Agora, tem alguma coisa que é atemporal, que não depende de onde a mulher esteja, que é uma sensação assim, de que ela pode ser mal treinada, expor mal, lidar mal ou vamos pegar o estereotipo de que ela pode estar se masculinizando muito, sem precisar ser uma mulher homossexual, mas se masculinizando no sentido de perder o feminino. Mas na hora em que se coloca um homem masculino do lado dela, na hora em que ela vê o contraponto dela, na hora em que ela contracena (em termos psicodramáticos) com um homem, quanto mais homem é esse homem, mais mulher ela se torna. Então, isso só corrobora com essa essência que permanece independente.
Quer dizer, essa Zélia Cardoso, ou esta Gabi, ou esta Sílvia Poppovic, só para pegar alguns nomes públicos, qualquer trator que seja, tendo um homem que possa bancar essa mulher, essa mulher vira mulher.
Pergunta: Aí vale o Nelson Rodrigues: nem todas as mulheres gostam de apanhar, apenas as normais. O apanhar no sentido de ser contida por essa masculinidade.
Luiz Cuschnir: Nem tem uma mulher que quando encontra o homem não se torna mulher. Não sei se vocês viram o ensaio da Gabi, em maio mais ou menos, na Vogue, ela tomando banho, seminua. Não quer dizer que o Gianchinini seja dos homens mais poderosos, não é nesse sentido, mas ele é um masculino lá que põe essa mulher no lugar. Não sei se vocês já conversaram com a Gabi, mas ela é fortíssima. Mas a coisa de poder envolver a mulher com o masculino, essa mulher, a mais carrancuda, ela derrete. Então tem essa feminilidade, essa essência do feminino. Mas a mulher, claro que ela muitas vezes, e cada vez mais está saindo desse feminino, por uma queixa bem vulgar, que a gente pode falar, que não tem homem na praça. Não é homem, no sentido de número, não tem o masculino que ela precisa.
Dos homens mais sedutores, mais chavecadores, trepadores, o que for, não necessariamente são os homens que dão essa consistência para a mulher. E a consistência para a mulher é muito baseada nessa coisa da continência, do homem que dá parâmetros claros.
Pergunta: Porque ela não entende, ela fala, fala, fala, alguém tem que segurar e dizer agora vamos fazer, é por aqui. Porque se não ela começa a derrapar, e ela mesma se enlouquece.
Luiz Cuschnir: E aí é essa questão da fantasias de um e de outro. Porque a mulher com esse estímulo todo, com essa abertura toda, essa possibilidade toda ela foi estimulada a fantasiar. As brincadeiras, desde pequena, elas são por um lado muito na intimidade, a menina é toda estimulada a brincar a duas, e o menino a brincar no time. A menina pode fazer jogos e esportes, mas ela é estimulada a ter amiguinha e o menino é estimulado pelo time. Mas essa coisa da fantasia, da possibilidade que ela tem de fazer esse tipo de fantasia, o homem a fantasia dele é o futebol, é o ganhar, é o correr, é o pódio e a fantasia da mulher é todo esse mundo íntimo, interno, então vamos imaginar, imaginar, imaginar. Ela para dentro e ele para fora.
Pergunta: Voltando para uma coisa que você deixou lá para trás, eu queria saber o que é esse bancar que é o homem quem banca. E a outra coisa que eu queria te perguntar é o seguinte, você mesmo falou que é um estereotipo, mas tem um processo de masculinização da mulher, eu queria entender um pouco, no seu ponto de vista, quais são as perdas da mulher nesse processo, perdas dela e da relação dos dois.
Luiz Cuschnir: A mulher se sentir bancada tem a ver com esse continente que falamos, com essa coisa que quando falha ela “enlouquece”. Ela precisa de alguém que não a deixe enlouquecer, porque a loucura tem a ver com a cisão com a realidade, a loucura tem a ver com a expansão: expande, expande, expande, tem que ter um pouco do que segura. E a gente está falando não só da mulher dona de casa, mas da mulher que vai lá, enfrentar os leões numa venda de ações de duas grandes multinacionais, que envolve milhões e milhões de dólares, e que é ela que vai estar na reunião com os grandes acionistas e ela vai ter que pegar o microfone e falar. E ela, assim como o homem que não é muito diferente, ela nunca vai saber tudo, essa sensação de que ela vai ser pega no flagrante, de que ela não sabe. Do que é que ela precisa? Ela precisa desse homem, que diga “está tudo bem, vai dar tudo certo”, e ela : “e se acontecer…”, “se acontecer eu estou aqui”. E tem que ser um homem, uma outra mulher não vai bancar, não adianta ser a mãe dela, não adianta ser a irmã dela, não adianta: é o homem dela. Não deixa de ser, de uma certa forma, o pai que diz que está aqui para te segurar, diferente da mãe que estava aqui para te esperar.
Mas esse homem, claro que permeia esse bancar o econômico, sem dúvida. Não há mulher que não queira um homem que a banque economicamente, não há. Mesmo que ela ganhe muito mais do que ele, ela não agüenta o homem ganhando menos do que ela, ela não agüenta um homem que não trabalhe, que fique em casa pintando, ou relaxando, ou fazendo massagem, ou que esteja escrevendo um livro, ou que esteja cuidando do filho dela, ou que esteja administrando a casa, ela não agüenta. Ela não agüenta um homem que ela não tenha a admiração, principalmente, é claro, a mulher que está no profissional, mas mesmo a mulher que não está no profissional, ela não agüenta um homem que viva de rendas. Por mais que tenha dinheiro, ele tem que estar trabalhando. O bancar tem a ver com o orgulho e a admiração por esse homem e a formalização, dá o lugar para ele na relação.
A relação se estabiliza muito, e olha que eu não tive poucas mulheres vencedoras aqui. Aí ela que um homem e esse homem não sai, não sai, pode ser um empresário mas está lá marcando passo, pode ser o super sensível mas não desabrocha, o que está pensando o que vai fazer na vida ela não agüenta mais, ela agüenta 2 meses, 3 meses.
E as perdas dela e da relação que ela tem com ela nessa questão quando ela vai para a luta, quando ela se fortalece. Ela perde a possibilidade do tempo com ela. Essa coisa que a gente falou, pegando um pouco esse exemplo, é a diferença entre uma faxina e uma cozinha. Faxina a gente faz uma faxina num ritmo acelerado, e faz. Na cozinha não existe isso. Na cozinha, até se for fazer o trivial, mas a cozinha não existe, se não for o tempo que se dedica à cozinha, para sair o prato. Na faxina você para e começa, e agita, e apressa e diminui. Agora, a cozinha tem um tempo que é dela, é ela que impõe o ritmo. Isso é uma das perdas da mulher quando ela sai e ela tem um filho e ela tem que estar no trabalho e ela tem que ter ficado com o corpo em ordem, as ginásticas e tem que ter a higiene e todas as maquiagens e a escolha da roupa. Ela não tem mais esse tempo.
é muito simplório se referir só à dupla jornada de trabalho, não é só isso, isso é muito pouco. E aí a gente volta a falar da essência feminina, que tem a ver com a perda desse time dela, que é claro, não quer dizer que os homens não tenham, os homens também se queixam de um outro time e que isso é a queixa com elas, mas, a mulher, para ela conseguir fazer essa cisão, essas separações, ela precisa estar indo com o cabelo sujo, com o sapato esfolado. Quando ela não pode privilegiar o emocional ela privilegia o prático, ela vai para o prático, para o prático do trabalho. O único jeito dela não se perder, é ela suprimir. E esse é um preço alto para a essência dela, para o feminino dela. E aí ela está sempre em situação de emergência, estressada. E aí o que é que acontece como conseqüência, é que ela chega num nível de estress super elevado, que não é pouco. Ela suporta muito, essa flexibilidade que a mulher tem em todos os aspectos mantém a mulher com essa possibilidade dela seguir, mas quando ela faz uma avaliação mais profunda dela, uma perda importante relacionada com a feminilidade, relacionada com a sensibilidade, é que a capacidade intelectual dela diminui, a atenção e concentração dela diminuem, por mais que ela seja A profissional, ela não está inteira como profissional, ela deixou uma parte dela essencial, vital, lá para trás. Então quando você consegue isolar essa mulher e fazer uma análise em profundidade dela, essa mulher dá de 20 a 0 em qualquer homem, ela é o máximo. Mas a gente sabe que no dia a dia dela ela não está no rendimento máximo dela, ela se ferrou, ela se ferrou no intelectual, no prático.
Pergunta: Veja se eu entendi, quer dizer, você tem uma perda, quando você fala assim: “ela perde um tempo para ela”, esse tempo para ela não é qualquer coisa, esse tempo para ela é uma coisa que está muito mais ligada a isso que a gente está chamando de essência, é o meu tempo que me ajuda a me constituir e a me entender e a me integrar. Na hora em que esse tempo se esvai, em que você tem essa coisa meio cindida, mesmo que você tenha uma puta produção intelectual, você tem uma quebra, você não está inteira naquilo lá, você sempre está um pouco desfocada.
Luiz Cuschnir: Não só pelo desfocada, é porque você perdeu um braço, não só pelo desfocada, não é essa forma vulgar:
“Está vendo como a mulher não consegue prestar a atenção nas coisas, que ela fica pensando na roupa que ela tem?”Não é isso. é o que ela perde porque ela não está com a bagagem inteira dela lá. Ela tem uma bagagem muito maior, mas não dá conta. Quando se diz que a mulher está estressada com a segunda, terceira, quarta jornada de trabalho, ela não dá conta de arregimentar tudo isso, porque as mulheres não estão preparadas para agüentar tudo isso, não estão. E elas precisam se preparar porque é isso que se espera delas.
Pergunta: Você acha que isso é inexorável?
Luiz Cuschnir: Ah! já foi. Hoje, em dia não tem volta. E aí, ela conseguindo desenvolver isso, ela conseguindo retomar isso, ela conseguindo esse contato da reconstrução da alma feminina, é aí que ela dá, não é de 10 a 0, é de 20, 30, 40 a 0.
Pergunta: Por que você acha que a mulher não está preparada para o mercado de trabalho?
Luiz Cuschnir: Eu acho que ela não está preparada porque não tem quem prepare ela, porque a sociedade não preparou essa mulher também para isso. Porque, o que é que aconteceu? As feministas prepararam a mulher para ela botar a botina e arrebentar a porta, e ficar berrando. Tudo bem que a gente tem as pós-feministas, as femininas, e que está num outro momento. Mas eu estou falando pelos extremos. E tem a outra que é a mãe, a maternidade, toda a condição doméstica dela, que não prepara ela para sair desta forma de casa, para ir para o poder público com o feminino. Prepara-a para ir para o poder público com o masculino. Então, como preparou com o masculino, está dando o instrumento errado para ela cavoucar, ela vai cavoucar com um martelo, o martelo não foi feito para ela cavoucar. Não deram a pá, a colher, estão dando o outro. Então, esse é o despreparo da mulher. A tendência é a do resgate do feminino no público.
É por isso que eu estou trabalhando muitas vezes com o masculino e paralelo tem que estar o feminino, porque eu não consigo lidar com os homens se eu não lido com as mulheres deles, e essas mulheres ficam sem ter o que “comer”, o que as alimente, porque esses homens estão essa coisa geléia aí. Então são os dois, mesmo. Eu hoje tenho insistido muito no masculino, mas com as mulheres eu continuo trabalhando. O reflexo disso, é que muitas e muitas matérias minhas saem nas revistas femininas e não nas masculinas, nas masculinas saem mas para cada Play Boy que eu saio, eu saio em 10, 15 revistas femininas.
Pergunta: Vamos agora falar um pouco das fases. A gente viu um pouco qual é a essência da mulher e como ela está hoje. Agora, quais são as fases da mulher, quais são os grandes marcos do ciclo vital das mulheres?
Luiz Cuschnir: Conforme eu já falei, ela vai colhendo esses, é muito lindo, lindo lindo todos esses trabalhos que a gente faz com as meninas, com a mãe e filha, quando a gente consegue fazer esse encontro mãe e filha, que elas vão lá para trás, e como eu não trabalho com criança, eu não vi, mas aí elas trazem como é que foi construindo esse referencial feminino. Quando eu trabalho só com as mulheres também, quando a gente volta lá e vê o que é que era esse olhar da menina, o que é que a menina olhava: ela olhava como é que a mãe se vestia, como é que se penteava, ela queria experimentar o salto alto da mãe dela, esses primeiros passos do que ela vai aprendendo a ser mulher.
E a menina adolescente que tem aquele estímulo da base das fantasias da menina cada vez mais aquele mundo, e as conversas e poder estimular tudo isso, faz essa menina, mesmo que ela faça muita coisa, ela viver muito dentro dela. Quer dizer, tudo é vivido mais como perfume do que no concreto que é a comida. Ela vive muito mais o perfume, muito mais essa coisa volátil, essa coisa que ela põe a cor no perfume que não tem cor, quer dizer, o perfume passa a ter cor, e aí tudo passa a ter um sentido, um significado: o que é que a outra falou, o que que o menino falou, o que que o menino pensou, o que que a mãe quis, o que que o pai. Tudo é as amigas, ela quis dizer. Ela interpreta o mundo o tempo todo, o tempo tudo. é por isso que ela interpreta a roupa, ela interpreta o batom, ela interpreta a dança, ela interpreta a música, ela interpreta o filme, ela interpreta. Ela vira uma grande tradutora, ela fica superespecializada em vários idiomas. Aí, a gente vai para a adulta jovem, que são as mulheres hoje que estão se formando. Basicamente todas estão se formando, pelo menos na nossa faixa etária e imagino que na pesquisa de vocês quem vai comprar as coisas são as meninas que estão no terceiro colegial, estão na faculdade. E começa aí uma divisão entre a vida afetiva e a vida profissional e que hoje cada vez mais ganha a vida profissional, quer dizer, ganha o que elas têm que batalhar, como é que elas vão vencer, elas estão tão encurraladas na questão profissional que existe uma quantidade muito grande de meninas que não têm o espaço para o namoro, para essa coisa mais do afetivo. Não tem espaço, quer dizer, o rompimento é rápido, outro dia eu ouvi comentários assim:
“Eu não vou namorar um cara que é estudante de medicina porque eu não vou sair com ele nunca, ele só estuda”.
Quer dizer, existe uma legião de estudantes de medicina, de rapazes que não vão ter um monte de meninas porque eles são estudantes de medicina. E aí, ela descarta, ela prefere até ficar sozinha.
Tem essa coisa dos novos valores, o ficar, pode beijar muito, pode ter as relações mas o fato de ter relações não significa nada, toda essa sexualidade precoce do ponto de vista da maturidade delas, quer dizer, a sexualidade faz parte de uma rotina, com muito pouca sensibilidade, com muito pouco preparo, com muito pouco prazer na vida sexual, muito pouco prazer. Nesta situação, o pouco prazer não está relacionado ao estresse, mas está relacionado ao pouco preparo para se sentir mulher, o pouco investimento no desenvolvimento dessa situação.
Na fase seguinte, essa mesma situação vai se refletir nas mulheres que não sentem prazer e nas mulheres inférteis. Existem vários estudos sobre a diminuição da fertilidade e da falta de prazer sexual das mulheres totalmente, totalmente vinculadas ao estresse profissional, infertilidade também. Mas então, a gente não está falando das mulheres que não conseguem um parceiro, a gente está falando das mulheres que não conseguem engravidar.
E aí, claro que a gente também tem a quantidade de mulheres que têm algum, aí já estamos falando das mulheres adultas, já passa da fase de adulta jovem para a fase das mulheres adultas, casadas ou não, mas adultas, onde a quantidade de mulheres que têm herpes, HPV, hepatite, todas essas doenças que são sexualmente transmissíveis, mas não são aparentes na relação sexual. é um número de mulheres muito grande que têm um diagnóstico oculto, ou oculto para elas, ou oculto na relação com o parceiro.
Pergunta: Você acha que é pelos mesmos motivos?
Luiz Cuschnir: Vai pelos cuidados, pela exposição, pelo despreparo, é o preço que está pagando e marca.. Eu estou falando isso, porque ela bate junto com as fases da mulher, onde aparece mais esse volume.
Voltando só um pouquinho, ou não sei se é entre 11 e 14 anos, a cada 40 minutos tem uma adolescente engravidando. Vocês viram essa história da Albertina? é altíssimo.
Daí a gente vai entrar nessa questão da mulher casada, o que é a mulher casada, o que é a mulher mãe.
Existem as mulheres casadas que já estão a um passo para ser mãe, quer dizer, que já casam prontas para ser mãe, e em 1, 2 ou 3 anos já se tornam mães. E tem as mulheres casadas que ainda não estão bem profissionalmente, que ainda não estão estabilizadas, que precisam estar bem para poder se sentir bem com a identidade delas, que elas precisam esperar ainda um tempo de latência para ser mãe, latência do profissional, que atrapalha. São conflitos muito sérios na questão, justamente quando a vida profissional começa a deslanchar, aí vêm os filhos. Então começa a ter um conflito muito grande para ter os filhos, que é uma coisa que absolutamente existia, porque a prioridade era filho e agora, para a grande maioria das mulheres, a prioridade é a profissional. E eu não estou só falando das mulheres de 20 e poucos, eu estou falando das mulheres que vão até os 40, 40 e poucos: a prioridade é o profissional. Podem até já ter conquistado um status profissional bom, mas continuam não conseguindo abdicar desse status para poder começar a ter os filhos, pelo risco da maternidade, é risco. Hoje, esse termo quase está invertido, hoje a maternidade é um risco para as mulheres. A gravidez de risco hoje não é só o biológico, o físico que estaria correndo risco, mas a gravidez de risco se refere também ao risco profissional. é assim que está essa mulher.
E nós temos cada vez mais um perfil que começa na adulta jovem e que vai caminhando um pouco mais adiante na vida da mulher, da mulher que não mais se restringe a um só parceiro, ao relacionamento formal dela. Então é a mulher que, desde o namoro, como adulta jovem, ela já teve um caso durante o namoro. E se não teve nessa fase, não quer dizer que não virá a ter depois, não é essa coisa de pau que nasce torto não tem jeito morre torto. Muitas vezes as mulheres têm um casamento e mantém uma vida paralela, e isso cada vez mais. Eu estou a quase trinta anos formado, eu fico assistindo de camarote a mudança do mundo, há trinta anos atrás, eu podia trabalhar uma mulher: “Por que você não tem um caso?” E agora é assim. E claro que o número crescente das mulheres casadas já há mais tempo, cada vez mais tempo e com os casos paralelos, os relacionamentos paralelos proliferando.
Antes, era comum as mulheres casadas se apaixonarem, se separar para viver esse relacionamento e os homens não se separarem. Hoje, quem se separa é o homem, e a mulher não se separa e ele se perde. Com certeza, a mulher não está só tendo relações com o encanador, com o padeiro, com o feirante. A mulher está se relacionando com seus pares, com o cara que está trabalhando com ela, e ela percebe muito claramente que ela pode ter um caso, uma outra relação, sem nenhuma dificuldade de ela entrar num motel com um cara, sem nenhuma dificuldade dela inventar uma viagem ou não inventar, existir uma viagem de negócios, de congresso, do que for e ela estar com outros caras. Ela está no mercado de trabalho.
O prazer ela pode muito bem ter com homens que ela tenha muito tesão, muita atração e muito pouco desenvolvimento afetivo, amoroso. Isso não quer dizer que ela vai confundir. A mulher se confunde muito mais do que o homem, ela se perde, ela acaba se envolvendo mesmo, ela acaba misturando o tesão, a atração pelo envolvimento, ela mistura. Mas não é por causa disso, não é que ela primeiro precise amar para depois ter tesão, ela hoje localiza muito bem a atração, mas a atração dela está liberada para seguir adiante, o que antes não era, o fato de ter atração deveria estar sendo reprimido. Isso é muito importante estar presente na questão, é um avanço, é uma ampliação, e é uma realidade muito difícil de ser aberta, ainda está muito complicada, mas não quer dizer que ela não esteja ocorrendo.
E a gente tem hoje um contingente grande de mulheres sozinhas, ou porque já foram casadas ou porque nunca o foram. Então, temos as mulheres hoje, que não precisam estar casadas para terem uma vida sexual, seja porque elas podem ter uma vida com alguém como um caso, ou com alguém pagando, ou podendo ter vários parceiros, o que for. Mas o fato dela se resolver muito bem no profissional, ela tem muita satisfação aí também. Ela não está mais só dependendo da satisfação da maternidade, ou do status do casamento.
E ela começa a ter a vida dela, começa a saber administrar os seus bens, começa a crescer profissionalmente, a mulher tem essa coisa que eu é uma facilidade no social dela, a mulher tem uma flexibilização no social absurdamente maior do que o homem, então a mulher se articula com outras mulheres, se articula em grupos, arma coisas, a mulher tem essa capacidade criativa dela experimentar novos campos e antigos campos, e amarrar, e amarrar, e traz para cá para a minha casa, e amarra viagem, e combina. Ela tece, ela lida com a ginga dela com um jeito, com tanta facilidade: ela está no trabalho e ela está conversando com todo o mundo o tempo todo, o tempo todo, ou seja por e-mail, ou por telefone. O fato de ela estar trabalhando não significa que ela perde o contato com o mundo como o homem, o homem perde, a mulher não perde. Então ela está toda articulada para a noite, para o final de semana e para as férias, independente dela estar trabalhando. Isto faz com que a mulher prescinda da questão formal de casamento. E, é claro, que se ela já tem os filhos ela vai administrar isso à distância, e é uma fase que passa, eles crescem e depois ela administra à distância mesmo.
E aí vêm essas descasadas que não querem casar de novo mesmo mais. Elas querem ter um relacionamento e tal, mas cada vez mais, elas não ficam naquela aflição de casar de novo. Nesses 30 anos é flagrante, cada vez menos, elas dizem:
“eu não quero mais outro marido”. O que era o contrário:
“eu preciso arrumar outro marido”. Isso, porque a mulher está independente, a mulher se resolve, muitas mantêm a família, elas estão com os filhos, elas administram e elas não querem pagar essa conta da mala que é o marido. O marido é uma mala, cada vez mais, uma mala para a mulher. Mesmo as que querem um namorado, elas querem um namorado mas elas querem um namorado, não querem um marido, não quere, um homem que fique controlando a hora que elas vão voltar para casa, nem com quem elas estão. Essa semana eu juntei dois grupos, um de homens e outro de mulheres, e a história era as mulheres reclamando dos homens que ficavam controlando o horário delas, quer dizer, há 10 anos atrás eram os homens que estavam reclamando das mulheres, que eles não podem ter os casos deles.
E ela está sendo mesmo descartada porque ela não vai resolver o universo masculino, a mulher não resolve mais o homem, o homem vai ter que se resolver. Ela não está mais disposta a isso e ela não tem condições, porque o que ela oferece não é o que ele precisa. Ela oferece para ele uma visão a partir da sensibilidade dela, do que ela vê. A mulher entra aqui, e fica reparando na decoração, o homem entra aqui e vai para a janela, então não adianta, ela vai querer mostrar para ele a decoração e ele vai querer ver a vista que tem. Não adianta, ela vai mostrar as coisas que ele não quer.
E para finalizar, tem esse pedaço da mulher mais adulta, mais estável, e que é a mulher que agora já tem mais tempo, por um lado, para se cuidar, e que ela começa a se rever, e que ela está de alguma forma, mais em paz com ela. Ela está por um lado com uma vida sexual muito melhor, entende mais de sexo, está se satisfazendo muito mais, não é mais aquela insegura, bobinha, ela já está nas pós-graduações dela, em tudo. E ela dá um nó mesmo, e ela consegue amarrar tudo, ela tem essa condição de se ele não faz eu faço, eu não preciso dele para fazer. Esse é o lema dela, eu não preciso dele para fazer. Essa é a mulher depois dos 40 anos, dos 50. E aí ela vai aprofundando, vai sedimentando tudo o que ela foi colhendo e aí ela vai construindo os patrimônios dela, que até então era só patrimônio afetivo, aí ela está construindo o patrimônio dela, as coisas que ela precisa para ela seguir até o fim da vida, ela se articula, ela opta com mais clareza, ela já está na estabilidade do feminino, ela já tem essa coisa dos conflitos, não tem conflitos, ela não está mais com essa coisa: “mas será mesmo que eu não preciso ter filho?”, “será mesmo que eu não quero trabalhar?”. Ela já não tem mais medo. Ela não vai para o trabalho com a sensação de que: “Ah! Então eu não tenho tudo para dar”. Ela diz: “Eu estou dando tudo o que eu posso dar”. Se eu não estou dando, eu não posso dar. Ela tem clareza disso. Esse é o momento.
E aí é claro, vem muito mais a mulher, esse novo termo que a gente está usando muito agora, que é “abuelidade”, que não tem em português ainda. Tem maternidade, paternidade e agora avuelidade, que é a condição de ser avô. Por si só já diz, que é a condição de ser avô que é esse outro momento. Quer dizer: “Eu sou avó”. Não é aquela avó gordinha que fica fazendo tricô, não, “Eu sou avó”. é uma avó que está trabalhando e tudo, mas é avó. A condição da dignidade estabelecida, entendida, aprofundada. Com o neto, a história dela está lá, ela é renascida, renasce a história dela. Ela é reapresentada para ela mesma, é uma nova reapresentação dela. Porque aí, na hora em que ela vê, ela vê o percurso da história dela, e ela é reapresentada para ela.