Folha de São Paulo – Jornalista Juliana Vines
Entrevista Concedida – 19/11/2014
FSP – Primeiro, é possível responder à pergunta de um milhão de dólares: por que as pessoas traem?
Luiz Cuschnir – Posso dizer que traem porque são pessoas, seres humanos e não estereótipos de divindades ou seres perfeitos como se idealizam e são idealizadas. Por outro lado, acabam traindo por não terem conseguido controlar algo que desejam, condutas que se impuseram ou foram impostas para a preservação monogâmica de um relacionamento.
FSP – Vi pesquisas de sites de traição que elencam motivos, como falta de sexo, monotonia, falta de carinho e busca por aventuras. Você acha que esses motivos fazem sentido? Que outros motivos destacaria?
Luiz Cuschnir – Esses motivos caberiam em um só: um relacionamento só não preenche tudo o que a pessoa precisa para se alimentar na sua relação de amor e ao mesmo tempo não tolera conter seus desejos e impulsos.
FSP – As motivações dos homens e das mulheres são diferentes? Nessa pesquisa que vi, por exemplo, a monotonia foi a resposta mais comum entre as mulheres e a falta de sexo a mais comum entre os homens.
Luiz Cuschnir – Na minha experiência, a insatisfação relacionada ao que o outro não proporciona, equivale aos dois. Nas psicoterapias aparecem muitas mulheres que se queixam da falta de um sexo mais completo, principalmente incluindo uma atitude amorosa no relacionamento como um todo, não somente na vigência do sexo. A motivação dos homens vem da necessidade de variar e dar vasão às fantasias, que nem seriam preenchidas no relacionamento que têm.
FSP – Tem-se uma ideia de qual a porcentagem de homens e mulheres são infiéis?
Luiz Cuschnir – Traição são diferentes para o homem e para a mulher, de acordo com a experiência que tenho em meus estudos sobre os gêneros. Ainda percebo quantitativamente mais homens que mulheres traindo ou fantasiando traições. Mas acompanhando há 4 décadas o movimento da sociedade, comparativamente constato uma diferença inversa de mulheres e homens, elas mais permissivas tanto em trair quanto em se imaginar traindo. Já eles menos instados a isso ao longo desse tempo.
FSP – Os homens tem mais dificuldade para ser fiel ou isso é um mito?
Luiz Cuschnir – Na premissa de “quem ama não trai”, uma associação que já faz parte do senso comum, no fundo implica colocar tudo no mesmo patamar, como se fossem sinônimos e a única via para uma relação dar certo e provar o amor. Trair, em sua concepção, continua a ser entregar-se de corpo e alma a essa outra pessoa – o que ele não faz muito frequentemente quando tem essa experiência. Por outro lado, ser fiel tem uma conotação estritamente física, e mesmo assim passível de contestação. O homem pode ter mais dificuldade de refrear o impulso sexual mas não dá para dizer seguramente que está traindo o relacionamento amoroso.
FSP – Tem algum momento no relacionamento que a traição acontece mais, como no início, por exemplo?
Luiz Cuschnir – A traição é considerada há algum tempo o problema potencialmente mais ameaçador e lancinante para os relacionamentos, principalmente porque persiste a diferença de como homens e mulheres a veem e percebem. O Departamento de Desenvolvimento da Família, da Universidade da Carolina do Norte, que ao longo de 13 anos analisou 300 casais com menos de um ano de união civil. Os resultados apontaram que 27% optaram pelo divórcio antes de chegar aos cinco anos de relação, alegando que o parceiro ou a parceira havia mudado para pior. Uma porcentagem menor, 13%, separou-se no decorrer do período, por outros motivos (os mais citados foram traição, falta de dinheiro e pressão da família).
FSP – Algumas pessoas com quem conversei citaram a oportunidade como principal motivo (ou desculpa). “Eu tive a chance e decidi trair”. A ocasião faz o traidor?
Luiz Cuschnir – Há pessoas que “colecionam” mágoas e decepções e com o tempo ficam mais sujeitas à traição. Muitas vezes essa “chance” aparece aí. Outras, que não têm a ver com isso, só aproveitam um momento propício, cedem e depois tudo volta ao que era antes em termos do relacionamento. A infidelidade definitivamente não deve ser confundida com desamor: este é, aliás, um dos alertas deste novo livro. E eu enfatizo que o amor pode persistir da mesma forma, apesar da traição, desde que se possa entender que a infidelidade é própria da condição humana, ou seja, vem do desejo acentuado de suprir lacunas internas que uma pessoa pode ter mais ou menos que outra, momentaneamente ou não. Pode, inclusive, resultar de buscas e afirmações que residem consciente ou inconscientemente no interior dela, e que não influem diretamente em seu amor presente na relação estável que mantém. Não se pode ignorar que devaneios e desejos ocultos pululam a mente de todas as pessoas. Essa é uma compreensão do ser humano que tem tudo a ver com maturidade.
FSP – Existem pessoas que são infiéis irremediáveis?
Luiz Cuschnir – A conotação infiel irremediável está relacionada a um conceito de vida em que ter outros relacionamentos além do oficial, faz parte de uma postura em relação à vida. O compromisso de uma relação estável é consolidada em parâmetros que não incluem a exclusividade, muitas vezes somente em relação à sexo. É como se “frequentassem” outros campos mas sem o mesmo ou nenhum compromisso. Por outro lado o dito “homens traem, sem exceção à regra” é equivocado. Na verdade, muitos não pensam em trair por acharem complicado lidar com a mentira, por ficarem mal em relação ao compromisso que têm com a mulher, por sentirem culpa pela ingenuidade dela ou por falta de vontade ou lugar para trair.
FSP – Ser descoberto pode fazer com que o infiel mude de postura?
Luiz Cuschnir – A traição é delicada para as relações, indicando sempre uma falência da pessoa que se queria ser e não foi. Posso garantir que a devastação do fim de um casamento sólido, devido a uma traição corriqueira, tem um poder destrutivo dez vezes pior do que a traição em si mesma. Essa mudança de atitude depende da importância do casamento para este que foi infiel. Inúmeros foram os casos onde ocorreu uma mudança, principalmente quando acompanhei em psicoterapia pessoas, que conseguiram refazer prioridades, acessaram traumas psicológicos, aprofundaram em suas questões da vida afetiva e redefiniram o sentido de vida. Há a necessidade de os casais reverem seus conceitos e posturas nesse quesito. Peço que tenham serenidade, calma para pensar melhor, porque a traição não significa fim ou falta de amor, nem mesmo um abandono avassalador.