O Estado de São Paulo – Suplemento Feminino – por Fabiana Caso
O Psiquiatra Luiz Cuschnir expõe a complexidade feminina no recém lançado livro “A Mulher e Seus Segredos”
A satisfação feminina parece inatingível. As casadas sentem falta da liberdade do tempo de solteiras; as bem-sucedidas na carreira anseiam pela maternidade e amor; as solteiras querem casar-se; as mães em tempo integral querem maior liberdade…
Esse mosaico em desalinho que compõe a alma feminina – cujo peso é maior para quem quer tirar nota dez em todos os papéis – é o foco do livro do psiquiatra Luiz Cuschnir, “A Mulher e Seus Segredos” (Larousse). O autor expõe as maiores ciladas femininas contemporâneas, trazendo exemplos de personagens típicos, como a mulher blindada (que não se abre para relacionamentos) e princesas modernas disfarçadas de executivas.
Casado e pai de um casal, Luiz Cuschnir atua como psicoterapeuta há 30 anos e é especialista no estudo de gêneros. Entre outras atribuições, coordena o Gender Group® (grupo de gênero) do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Depois de estudar o masculino, agora ele coloca sob o holofote a complexidade da mulher. Não seria um tema mais espinhoso?
“Apesar de os conflitos femininos serem mais cheios de temas, elas são mais transparentes, expõem seus sentimentos. O homem não se mostra tanto.”
No livro, ele compara essa teia intrincada às bonecas russas, em que uma vem dentro da outra. Mas ressalta: a harmonia é possível para a mulher auto-consciente, que está em contato constante com sua essência. Só assim ela se fortalece para desempenhar todos os papéis com uma atitude integradora: fica forte e ao mesmo tempo flexível para encarar os desafios do cotidiano.
A identidade feminina, segundo ele, deve ser forjada a partir de verdades construídas por si própria, longe dos mitos aprendidos na infância, nas imagens de filmes e da publicidade. Esse mergulho ajuda no desenvolvimento dos potenciais e tira a mulher da rota da culpa, um sentimento tão comum a elas.
Feminino: A mulher moderna tem tudo, mas também não tem nada, porque está sempre insatisfeita por não ser perfeita em todos os papéis. Não seria um contra-senso?
Luiz Cuschnir: As mulheres que têm uma vida profissional muito agitada geralmente gostariam de ter uma vida afetiva e familiar melhor. é preciso ponderar: ela teria tempo para desenvolver uma relação amorosa profunda, ou de ser uma mãe como gostaria? O dia tem apenas 24 horas. Agora, se ela perceber que isso é um desejo genuíno e não faz parte de crenças e mitos que vieram de fora, tem que mudar alguns aspectos de sua vida para realizar esse sonho. Deve saber avaliar as prioridades. O problema é que a mulher se sente mal quando está muito satisfeita com um aspecto de sua vida, porque pensa que está deixando outras áreas de lado. O melhor seria aproveitar o que está bom e parar de querer ser nota dez em tudo.
Feminino: Como equilibrar esses conflitos?
Luiz Cuschnir: O problema é que a mulher sente culpa por tudo. Culpa porque trabalha fora, porque não trabalha fora, porque tem dinheiro, porque está sem dinheiro, porque não pode estar tanto com o filho, porque não está sendo uma boa esposa, etc. A culpa leva à raiva e provoca disfunções externas e internas, podendo desencadear doenças. O caminho é conhecer mais a própria essência, embrenhar-se no autoconhecimento. Nessa proposta, ela deve aceitar as próprias limitações para finalmente retirar a culpa.
Feminino: No livro, o senhor mostra como as mulheres tendem a se sentir inferiorizadas na presença de outra mulher mais bonita, alta ou até com seios maiores. Até que ponto a mulher é a inimiga da mulher hoje?
Luiz Cuschnir: é importante, nesse caso, diferenciar o comportamento inclusivo do exclusivo. é a dinâmica da exclusão que interfere na competição. Quem é inclusivo pode ver as qualidades do outro, tentar entender os sentimentos alheios e ficar bem com isso. Por exemplo, pode entender que uma mulher mais bonita também tem os seus problemas. O exclusivo pensa: quem não é como eu, excluo. Daí não consegue se relacionar. Mas as mulheres têm um repertório emocional enorme! As relações vão de A a Z… elas se amam e se odeiam. Existe a competição, mas, por outro lado, elas são grandes amigas. Podem competir, ter raiva e ódio umas das outras, mas há momentos que sabem que quem vai consolá-las e falar a melhor palavra é aquela mesma amiga. Dependendo do momento, são as salvadoras umas das outras.
Feminino: Na sua opinião, quais foram as maiores conquistas femininas?
Luiz Cuschnir: A possibilidade de poderem viver a liberdade do ponto de vista social e expressar suas potencialidades como seres humanos de forma mais ampla. Aqui incluo os relacionamentos afetivos e amorosos, assim como o desenvolvimento profissional.
Feminino: Quais aspectos (e como) a mulher pode trabalhar para ter mais equilíbrio nos relacionamentos amorosos?
Luiz Cuschnir: Inicialmente deve posicionar-se, levando em conta todos os aspectos do outro, sejam os positivos como os negativos. Tentar ver a realidade, os limites de um relacionamento, e não idealizá-lo somente através de fantasias, que podem frustrá-la posteriormente, trazendo muita dor e deixando muitas feridas em seu emocional.
Feminino: E quanto à sexualidade? Em sua opinião, há uma evolução na maneira de a mulher buscar a própria realização sexual?
Luiz Cuschnir: Hoje, as mulheres estão muito mais esclarecidas, mas isso não significa que conseguem a satisfação plena da vida sexual que levam. Isso se aplica tanto às que vivem com mais liberdade como às que não. A vida sexual depende de um todo que engloba o afetivo, o ritmo e qualidade de vida, condições individuais do relacionamento e da própria mulher, fisicamente e psicologicamente. Por isso, pode-se dizer que há uma grande evolução. Mas ainda há muito o que desenvolver, afastando-se de estereótipos como, por exemplo, o de ter que atingir o orgasmo a qualquer custo.
Feminino: Quais são as maiores necessidades femininas no momento?
Luiz Cuschnir: Conciliar o afetivo com a realização pessoal. Cada mulher tem que encontrar condições de buscar o que quer e ir elaborando as suas próprias respostas, que não podem ser crenças e mitos que vêm de fora. Elas costumam ter dentro de si uma série de conceitos e estereótipos dos quais não conseguem se afastar, que vêm desde a infância. Sem falar das imagens de filmes e simples propagandas de margarina que propõem a idéia da família feliz. A maternidade é uma das questões mais arraigadas. Se quiserem ser mães, devem sair da crença de que precisam ser nota dez sempre. A mulher que consegue se libertar dos valores ditados pela sociedade tem mais chance de viver em paz.
Feminino: Quais são as qualidades mais urgentes que a mulher deveria desenvolver para desfrutar de seu poder pleno na atualidade?
Luiz Cuschnir: Aceitar as suas limitações e não se cobrar nota dez em todos os seus papéis e funções. Também é importante transformar a culpa em reconhecimento de suas opções, e desenvolver critérios de escolha para se dirigir ao verdadeiro sentido da sua vida. A mulher deve identificar os mitos e crenças que a restringe, e se permitir experimentar e mudar se não estiver satisfeita consigo mesma.