Concedida a Flora Paul – Revista Nova – 25/09/2011
A reportagem é sobre mulheres que saem com homens que mudam muito de comportamento, por exemplo: são carinhosos na intimidade, mas não assumem a relação para amigos e famílias; têm acessos de ciúmes e desprezo em relação á parceira. A sugestão é que se trate de um “transtorno de personalidade amorosa”. Como esse transtorno não existe propriamente, a reportagem explora, então, sinais que indiquem que há a possibilidade do seu parceiro ter um transtorno de personalidade.
Revista Nova: O que é um transtorno de personalidade?
Luiz Cuschnir: Primeiro a definição de personalidade é importante. Ela se expressa pelos traços emocionais e de comportamento de uma pessoa. Na verdade como ela se comporta é o resultado de todos os seus traços de personalidade e o que vamos considerar um transtorno é a amplitude e intensidade com que cada traço aparece na sua maneira de ser, isto é o modo como ela vê o mundo, a maneira como expressa as emoções e o comportamento social. Sempre estará presente um estilo de vida mal adaptado, inflexível e prejudicial a si próprio e/ou ás pessoas que com ela convivem. Em geral aparecem no início da idade adulta e permanece pela vida toda se não forem tratados.
Revista Nova: Existe um transtorno de personalidade amorosa?
Luiz Cuschnir: Não se pode dizer que há um específico para essa categoria já que ela pode estar presente em várias condições da vida da pessoa e não só na vida amorosa. Como existem vários transtornos de personalidade: anti-social (irresponsável, explorador e insensível, sem remorsos) borderline (relacionamento emocional intenso, confuso e desorganizado com instabilidade das emoções), paranóide (desconfiança, sensação de ser passado para trás ou traído), dependente (dependência e confiança excessiva nos outros), esquizóide (dificuldade de formar relações pessoais ou de expressar as emoções), ansiosa ( pessoa ansiosa, com auto-estima baixa), histriônica (dramática e busca todas as atenções) e obsessiva (perfeccionista, rigorosa). Todos eles podem conflituar muito a relação amorosa quando estiverem em situações que deflagrem a patologia que têm.
Revista Nova: É possível que haja um caso isolado de surto? Por exemplo, o parceiro trata friamente a namorada na frente dos amigos, ou da família, uma única vez, mas de forma inesperada. Isso pode ser considerado um alerta de transtorno de personalidade?
Luiz Cuschnir: Só podemos caracterizar como diagnóstico se ocorre com constância e em várias situações diferentes e não somente em situações específicas. Por isso esses diagnósticos são feitos somente por um profissional que conhece muito o paciente. Nesses casos isolados tende-se a valorizar muito mais os conflitos que ele tem com os amigos e família, quando ela está junto, e o que pode estar sendo vivido por ele internamente como, por exemplo, acontecimentos ou comentários anteriores que deflagrem a situação. Estamos falando quando for uma única vez, é claro.
Revista Nova: E quando o parceiro costuma tratar a namorada de forma diferente constantemente na frente de outras pessoas, ou na internet, isso pode ser considerado um alerta para um transtorno de personalidade?
Luiz Cuschnir: Acho que o alerta maior deve ser dado ao relacionamento como um todo e não especialmente a pessoa dele. Se a relação dos dois não suporta um relacionamento social é porque há algo incomodando muito a ele, seja o comportamento dela, histórias anteriores dele ou algo que está acontecendo na relação com essas pessoas. A relação pela internet propicia várias alterações de conduta ou de interpretação, tanto benéficas como maléficas para os relacionamentos já que a interação entre as pessoas se dá de uma maneira somente gráfica. Uma palavra escrita pode ser entendida de uma maneira muito diferente das que a pessoa imaginava.
Revista Nova: Como lidar com um parceiro com transtorno de personalidade e como reagir quando ocorre algum surto?
Luiz Cuschnir: Primeiro temos que entender que se foi feito um diagnóstico psiquiátrico com essa denominação, deve haver algum profissional que possa orientar determinada conduta para cada tipo que descrevi. Se há mesmo esse diagnóstico, a revisão da viabilidade dele perdurar é crucial. O prognóstico a longo prazo pode ser ruim. Se estamos falando de pessoas que têm comportamentos como você descreveu, atitudes discrepantes ou agressivas e esta pessoa que convive, que pode ser uma namorada, esposa ou até familiar e amigo, quer fazer algo, o ideal é ajudar a pessoa a aceitar que precisa de uma psicoterapia para avaliar junto com alguém mais gabaritado o que está ou tem acontecido. Para isso tem que retomar os fatos com uma apresentação convincente. Essa abordagem precisa ser feita de uma maneira séria, com o cuidado para que seja ouvida e ao mesmo tempo que atinja e sensibilize para esse tratamento. Também é importante que se esses traços marcantes estiverem influindo demasiadamente no relacionamento, este possa ser checado. Permanecer em situações destrutivas demonstra muitas vezes que se está perante um abuso emocional e a revisão disso pode até colocar em cheque se é para continuar ou não com essa relação. Muitas vezes tenho atendido tanto no meu consultório particular como no Instituto de Psiquiatria do HC da FMUSP, no Gender Group® (que é o grupo que chefio que trata exatamente das questões do relacionamento homem/mulher), casos onde a falta de confirmação da identidade como homem ou como mulher enfraquece o masculino ou feminino respectivamente. Somente nos trabalhos de psicoterapia pode-se trabalhar e entender mais profundamente para se tomar atitudes de preservação necessárias nesses casos.