CAMILA TUCHLINSKI – Publicado no Portal Estadão 10/06/2020, 07:51
Namoro à distância ou casamentos antecipados: os efeitos da quarentena na vida dos casais
Um relacionamento vivido como em um parque de diversões. Essa é a definição de namoro de Ricardo Assumpção Fernandes, de 47 anos, com a jornalista Lídice Leão, 50. Eles estão juntos há três anos. “Começamos a namorar em outubro de 2017, mais precisamente no dia 12. Na primeira vez que nos vimos, a conversa foi tão leve e gostosa como uma brincadeira de criança. Desde então, vivemos num parque de diversões. Vemos paisagens na roda gigante, o circo é uma festa de cores, na montanha russa seguramos as mãos um do outro e atravessamos os altos e baixos”, descreve Ricardo.
Há mais de dois meses, eles estão separados por causa da pandemia do novo coronavírus. “Quando começou a pandemia, logo decidimos que ficaríamos fisicamente separados, cada um na sua casa, já que ele precisava preservar os pais idosos e eu precisava ficar com a minha mãe, também idosa. A decisão foi lúcida e consensual, pois cada um entendeu o lado do outro, de cuidar e proteger a saúde dos pais”, afirma Lídice.
Apesar da distância imposta, Ricardo conta que eles mantêm contato diário: “A saudade é grande. Mas, embora não nos encontremos fisicamente, nos falamos umas seis ou sete vezes ao dia, por telefone ou chamada de vídeo. Não sobra tempo para a solidão, a não ser à noite, na hora de dormir”. Lídice concorda: “É claro que a falta do contato físico pesa, à noite a saudade aperta. É a parte mais difícil. Mas decidimos focar nas coisas boas, na presença possível e não na falta”.
A jornalista fala de uma prática adotada por eles e que pode servir de exemplo para outros casais. “Aos finais de semana ‘bebemos juntos’, cada um na sua casa, mas brindamos e damos risadas! Um hábito muito gostoso que adquirimos durante a quarentena é lermos trechos de livros um para o outro. Como passávamos muito tempo juntos, antes da pandemia, e líamos muito, comentávamos sobre livros pessoalmente, mantivemos esse hábito gostoso. Então, quanto estou lendo um trecho de livro que sei que ele gostaria, ligo pra ele, leio e comentamos sobre. Ele também faz isso”, diz.
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Outro casal que foi afastado por causa da pandemia de covid-19 foi Gabriel de Mello Tieppo, de 25 anos e Gabriela Noce, de 27. Há um ano e três meses, eles se conheceram em um aplicativo de relacionamento amoroso. “Eu fui fazer um curso de uma semana perto da casa do meu pai e aproveitei para ficar esses dias lá. Aí encontrei ela em um app e demos match. Marcamos de sair no final da semana e, durante a conversa online, descobrimos que estávamos a três minutos a pé um do outro. Marcamos o primeiro encontro em uma praça que tem ali pertinho. Virou namoro. Eu ia quase todo final de semana para o meu pai antes de conhecê-la. E ela estava esse tempo todo ali do lado”, lembra Gabriel.
A separação no início da pandemia foi repentina, como conta Gabriela: “Foi tudo muito rápido, a gente nem se despediu. De início, combinamos de não nos encontrarmos por uma ou duas semanas, a gente achava que as coisas iriam amenizar. Hoje já são mais de 80 dias longe. Depois da segunda semana isolada em São Paulo, resolvi voltar para Santa Catarina e ficar mais próxima da minha família. Entendemos que aquela era a melhor decisão no momento e que nosso contato continuaria se dando por meio da internet”.
Eles procuram não ficar o tempo todo no celular, apesar de sempre trocarem áudios no WhatsApp e chamadas de vídeo. “A nossa moda do momento é ver série juntos. Estamos vendo Dark ao mesmo tempo e comentando “ao vivo” via áudio no WhatsApp. Ajuda a aproximar a gente”, afirma Gabriel. Ambos procuram fazer planos para o futuro para dar uma perspectiva mais positiva sobre os dias que virão.
Para alguns casais, a quarentena serviu para adiantar planos de união. Foi assim com Ana Maria Cristina Souza Conde e André Cremasco Alves que moram em Valinhos, no interior paulista. Eles namoram desde novembro de 2018 e não tinham planos de se casar rapidamente, mas a pandemia acelerou as coisas. “Essa questão de a gente morar junto aconteceu por causa da pandemia. A gente nem decidiu, a coisa foi acontecendo. E uniu mais a gente por conta disso mesmo: ele passar mais tempo em casa e eu também em home office desde o dia 23 de março”, explica Ana Maria.
Ela relata que os pais de André estão no grupo de risco e, como ele teve de continuar trabalhando, dividir a casa com Ana Maria seria uma forma de protegê-los. “Os pais dele são mais de 60 anos, são hipertensos e estão super cumprindo a quarentena desde o primeiro dia. Como o André continuou trabalhando, porque o ramo dele não fechou, ficou com medo de continuar indo pra casa dele”, afirma.
Ana Maria conta que ela e André se conheceram na adolescência, pois ele era irmão de um amigo: “A gente se reencontrou em rede social. Estudei minha infância toda com o irmão dele. Reconheci ele pelo apelido, que todo mundo chamava de Pompeu. E aí começamos a conversar, fomos no cinema, conversamos e não rolou nada. Ele havia acabado de romper um namoro. Depois ele ainda conheceu uma outra pessoa e me afastei por uns quatro meses. E então a gente se reaproximou”. O que a pandemia uniu, o homem não separa.
Para fazer uma análise sobre essas novas formas de amor, tanto a distância como a antecipação de planos de casamento, a reportagem do E+ entrevistou o renomado psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir, que trabalha há 40 anos com casais.
– A pandemia do novo coronavírus revelou uma parte da vida dos casais que eles não imaginavam que existia? Poderia falar mais sobre isso com sua experiência em clínica?
Sem dúvida revelou! Aliás, podemos dizer nesse aspecto de ‘revelar’, aparecer do negativo de uma foto para a imagem visível, identificável, tanto os aspectos positivos como negativos. Casais que não tinham a oportunidade de convívio tão longo e diário passam a enxergar maneiras diferentes de estarem juntos, criando condições tanto para aproximarem-se, serem mais íntimos e cooperativos um com o outro, como para revelar e intensificar as intolerâncias. O que antes era impossível fazerem juntos, seja por falta de espaço na agenda ou no estilo de vida, seja por dependerem tanto das próprias necessidades individuais que tiravam esse tempo para estarem um com o outro. Mas aí vem um outro ponto: alguns se dão conta de que o outro o incomoda tanto, que o distanciamento salvava a relação.
– Como avalia essa convivência compulsória para alguns casais?
Esse compulsório vem de fora, do que é recomendado e ameaçado como o que é arriscado e vai atingir cada um, no caso da pandemia. Atinge a movimentação e restringe os outros relacionamentos que por mais online que sejam, com o seu parceiro é que terão que passar mais tempo. E sem intervalos. Como também eram válvulas de escape para uns e agora oportunidade para investir mais, se existe a chance de “aumentar o patrimônio amoroso”, estarão enriquecendo a relação para os próximos tempos.
– E o que dizer de outros que acabaram ‘adiantando’ uma convivência, que estavam para se casar em meses e decidiram morar juntos agora?
É isso mesmo, nem serve essa observação para quem estava prestes a se casar. Haviam os que estavam levando o relacionamento ainda distantes geograficamente, cada um na sua casa, e mudam-se para uma delas seja pelo conforto e um ambiente melhor, seja pelos riscos de contaminação. Por detrás disso há também um rompimento de barreiras para que o relacionamento tome novos rumos. Tenho pacientes que nesse “adiantamento” sentem-se num casamento compulsório e outros que experienciam o rompimento de barreiras que provinham bastante do medo de se comprometerem em um casamento.
– E o namoro a distância: é possível manter a paixão com essa imprevisibilidade em relação ao tempo de duração da pandemia?
Esse tema de manter paixão em uma relação mais longa e estável como em um casamento, ou das que subsistiam pelas distâncias e impossibilidades, tipo Romeu e Julieta, causando sofrimento, agora a pandemia traz um novo processo para os dois. Se esse novo estado provocar os melhores sentimentos de cada um para com o outro, pode sim haver um resgate de paixão que tinha sido esquecido ou misturado com o excesso de atividades que tinham que cumprir. A revalorização do vínculo amoroso, além de curar feridas, redimensiona o sentido da vida de estarem juntos. Acho que a falta de “distração”, observada no consumo excessivo tanto do trabalho como de idas para o mundo exterior, cria todas as possibilidades de os casais perceberem o valor desse relacionamento. Sem tanto restaurante, festas, viagens, a vida de cada um chama para novos olhares para si próprio e necessariamente para o casamento ou o namoro que estão envolvidos.