Guru do Amor

Revista Claudia Fevereiro/2015                                                   Dagmar Serpa

Com mais um livro sobre o tema saindo do forno, o psiquiatra Luiz Cuschnir diz que nunca vivemos tempos tão propícios para a vida a dois. Confira esta entrevista inspiradora e conselhos práticos para ser ainda mais feliz no relacionamento.

Tanto a mulher quanto o homem ganharam liberdade graças ás muitas mudanças das ultimas décadas. Os papéis de um e de outro já não são únicos e estanques. Ela hoje tem carreira e não precisa de um provedor a qualquer custo. Pode escolher seguir o clássico roteiro casar e ter filhos ou abrir mão das duas coisas. Já ele adaptou expectativas e busca alguém para compartilhar sonhos, em vez da dona de casa perfeita. Está livre para ficar com quem ganha mais, ser pai ativo e demonstrar emoções sem medo. Ambos só entram – e permanecem – em uma relação quando e porque querem. Não à toa, o psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir, especialista no estudo dos comportamentos feminino e masculino, há 40 anos nessa estrada, decreta: nunca vivemos tempos tão propícios para o amor. Supervisor de psicoterapia e coordenador do Grupo de Gêneros do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, ele lança seu 13º livro no próximo mês. Em “Ainda Vale a Pena”(Planeta) e nesta entrevista, aponta os caminhos para os casais aproveitarem plenamente esses ventos que sopram a favor.

R C – Você diz no livro que vivemos tempos muito bons para sermos felizes no relacionamento amoroso . Por quê?

Luiz Cuschnir – Olha, a gente tem mesmo essa possibilidade de viver melhora dois. Os novos tempos libertam a entrega, que é a condição primeira para a relação amorosa. Não que isso baste para para tudo acontecer de maneira tão plena, pois cada um tem os seus problemas na hora de se doar. Mas a sociedade está dizendo: “Vá, pode ir, pare de se prender, fale tudo, transe tudo, viva!”. É um estímulo. Hoje, pode-se valorizar uma relação simplesmente porque ela tem significado para você. Não é porque precisa casar, deve ter filhos ou é feio alguém estar sozinho… Antes o casamento era uma necessidade e vinha carregado de obrigações. Agora as pessoas estão livres até para não casar. Só ficam juntas porque querem. E não há maior liberdade do que se guiar apenas por seu querer.

R C – Se tanto peso saiu dos nossos ombros, por que nem sempre vemos uniões felizes? Onde estamos errando?

Luiz Cuschnir – Sim, muito peso foi tirado das costas dos dois. Hoje o homem sabe se virar sozinho, cuidar da roupa, muitas vezes cozinha melhor do que a mulher. E ela não precisa mais do provedor. Pode ter o sonho de ter filho, mas pode pensar em não ter. Houve quebra de paradigmas. O que estraga é a falta de atenção. Tem a ver com a atual necessidade de consumo absurdo de tudo: lazer, exercícios físicos, relacionamentos… É difícil prestar a atenção em torno e valorizar os momentos de felicidade que vão compor uma uma vida feliz e você olha e pensa: ” Ainda não tenho isso ou aquilo”. Se uma mulher ficar só imaginando que o marido deve chegar e dizer quanto é bonita e como é bom estar com ela, não perceberá a cena real. Não verá que os dois se abraçaram e ele perguntou algo sobre a vida. Acorda! Os casais ganham mais quando se olham de verdade do que consumindo uma quantidade de coisas para oferecer ao outro.

R C – Parece simples…Por que nem todo mundo consegue?

Luiz Cuschnir – Acho que há muito barulho interferindo na relações. É o barulho das crenças e dos mitos que cada um carrega. E há o barulho das relações anteriores também e o de amigos e amigas fazendo comentariozinhos capazes de zoar a cabeça da pessoa. A gente diz que quem é inteligente não vai escutar e se deixar afetar, mas uma frase ás vezes sem importância pode repercutir na relação, e nem ele nam ela percebem que foi tanto assim. Essa é a grande questão, a quantidade de invasão na privacidade dos dois. E não é só de fora para dentro, há os ruidos do próprio casal. O homem e a mulher esquecem que cada um tem sua individualidade e ela deve ser respeitada. Tem que prestar atenção. Quando a gente trabalha com isso, observa como a vida a dois é invadida. Então, tudo é mais importante: a profissão, o filho que não tem limite, a programação de férias…Quando vê, o casal já foi para a Cucuia. Não se tem respeito pelo vínculo, ninguém pensa nele. E o vínculo entre um homem e uma mulher é delicado e precioso. Parece bobagem, coisa de autoajuda, mas é verdade. É valiosa essa chance de passar uma vida se entregando a uma pessoa.

R C – O que mais estraga esse vínculo?

Luiz Cuschnir – O contato do casal se perde com a maior facilidade. Por isso, os dois precisam se empenhar em preservá-lo como se fosse a coisa mais importante da vida. No entanto, a gente vê o oposto. Há muitos casais que abrem sua privacidade sem respeitar esse laço. Eles estão com amigos e falam da intimidade deles na sala de visitas. Vira uma devassa. “Ah, ele é isso e aquilo”. Ou: “Olha, a gente nem transa mais”. Ainda: “Ela gasta prá burro.” E as coisas dos dois viram piada, diversão para todos. Um faz o outro de palhaço e claro que, quando estiverem juntos, sentirão os efeitos. Mágoas e decepções só alimentam a frustração.

R C – Como fazer para fugir de ciladas assim?

Luiz Cuschnir – A gente tem que desenvolver a sensibilidade e a capacidade de se colocar no lugar do outro e enxergar pelos olhos dele. Pronto: na hora em que os dois conseguem chegar aí, o casal está numa relação saudável. Claro que não é fácil, mas se pode transformar isso em um plano: melhor do que cobrar é perceber o outro.

R C – O que se diz é que investir em autoconhecimento ajuda a enxergar o outro com mais clareza. Concorda?

Luiz Cuschnir – Se você tem uma nuvem na sua frente, verá sempre através dela, sem se dar conta. Se a nuvem é “todo homem é sacana”. Não dá para enxergar com clareza aquele que está ali ao lado. Se não retirar os véus, não existe a possibilidade de realmente perceber o outro, de ser capaz de ver os aspectos bons e os ruins sem fantasiar nem se convencer que ele é só uma parte. A ideia é perceber o todo e dizer: “Eu posso estar bem com esse lado pior e ainda tenho esse lado melhor”. A relação fica mais fácil, porque você deixa o outro mostrar quem é. Não é preciso se adaptar.

R C – Ajuda a construir cumplicidade, algo sabidamente essencial para relação: os dois precisam viver coisas marcantes juntos. Mas, com o corre-corre de hoje, sobra tempo para o casal ter momentos especiais? Qual é a saída?

Luiz Cuschnir – Cumplicidade tem a ver também com acompanhar a vida do outro, não só fazer coisas juntos. E apoio emocional é imprescindível. A pessoa precisa saber que tem um companheiro que a valoriza, dá força para conquistar aplausos e vibra com as vitórias. Está ali também nos momentos rins e de medo. Nem que seja só para dizer: “Poxa, sei como é difícil o que está passando, vejo o seu sofrimento”. São palavras de valor, porque isso é cumplicidade.

R C – Tem de construir cumplicidade de manter a chama acesa. É comum os casais reclamarem de escassez de sexo com o passar dos anos e mesmo se separarem por isso?

Luiz Cuschnir – Olha, eu recebo em consultório tanto a queixa de falta de sexo quanto a de traição. São coisas que vão contaminando a relação e, de repente, as pessoas não conseguem mais ficar juntas. A falta de sexo é vivida como uma rejeição. A sensação, para o homem e a mulher, é a de que não agrada. Quando o outro não está a fim, a pessoa pensa:“Não valho nada”. Eu não acho que se deva romper um casamento nem por falta de sexo nem por traição. Seria desqualificar o que existe de bom na relação. Mas é difícil ver por esse ângulo, porque a pessoa senta para ver novela e se depara um tempão com cenas de amores tórridos, abraços e beijos cheios de emoção. Quem consegue se isentar? Você diz: “Eu quero para mim!”. Como a pessoa aceita que não tem um deus ou uma deusa e aquele calor todo? Aí ela entra na rede social e os amigos estão lá lindos, felizes, se beijando. Um casamento é mais que isso.

R C – Com a liberdade que a mulher e o homem têm hoje, ninguém vai querer ficar numa relação se o sexo vai mal, é raro ou simplesmente não existe. Aí você vem e afirma algo como “aguenta firme aí”. O que quer dizer?

Luiz Cuschnir – Que as coisas podem mudar, seja porque se insere alguma nova maneira na relação, seja porque o casal vai atrás de uma ajuda para saber o que está apagando a chama e resolver isso. Acho importante tentar mudar, porque terminar para começar outro casamento é, muitas vezes, trocar seis por meia dúzia. A pessoa até pode conseguir o que não tinha, mas não terá outra coisa. Sempre faltará algo.

R C – E sabemos que nenhuma paixão dura para sempre e aquele grude do início desaparece. Qual é o segredo dos casais felizes para driblar a tendência à monotonia?

Luiz Cuschnir – É uma arte, mas há casais que conseguem se retroalimentar. Vivem intensamente os eventos da vida a dois. A chegada dos filhos, por exemplo. Ou uma segunda lua de mel, que às vezes é um desastre, mas pode confirmar a importância do outro. Então, eles não têm mais a paixão, mas têm o amor e coisas acontecendo. Não há monotonia. Eles enfrentam juntos os riscos e suprem bem a paixão. E há a valorização do outro, a percepção de que quem está ao lado é um ser que se recria e está sempre trazendo coisas novas para a relação. Portanto, quanto mais interessante a pessoa for e continuar sendo, mais dará motivo para o parceiro olhar e falar: “Nossa!”

 

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