Paulo Sampaio
Colunista do TAB 11/03/2021 04h01
A ameaça da covid-19 não alterou o padrão de infidelidade conjugal seguido antes da quarentena pela designer de moda Mariana*, 37, casada há 17 anos com um profissional de TI (tecnologia da informação). Frequentadora há cinco anos do site Ashley Madison, que agrega 70 milhões de adúlteros do mundo todo, ela mantém uma média de cinco encontros por mês — entre parceiros antigos e novos. “O tesão é maior do que o medo da covid-19”, afirma Mariana, que contraiu o vírus na segunda semana de agosto de 2020. “Não sei quem me passou. Suspeito de um encontro que tive com uma pessoa do site, alguns dias antes de apresentar os primeiros sintomas. Mas pode não ter sido, né?”
Ela conta que os contatos se dão sempre por mensagem de texto, em horário comercial, e os encontros são marcados diretamente em motéis. “Nunca vou a lugares públicos, para não correr o risco de ser vista por conhecidos”, explica. Mãe de uma menina de 16 anos, Mariana diz que ingressou no site em um momento em que se sentia “solitária”. “Meu marido trabalhava muito, e quando a gente se falava era sempre para tratar de problemas da casa, de escola, do trabalho. Eu sentia falta de conversas diferentes, de elogios, de estímulo sexual.” Apesar de afirmar que o relacionamento dos dois esfriou (“faço sexo com ele por fazer”), Mariana garante que “nunca” vai se separar. “Não tem motivo. Ele é pai da minha filha, a gente se dá bem, levamos uma vida financeiramente estável.” Ela conta que já se apaixonou algumas vezes, mas sabe “separar as coisas”: “Se eu sinto que estou me envolvendo, substituo a pessoa.”
Infiéis na quarentena
Segundo o relatório “Amor Além do Isolamento”, encomendado pelo Ashley Madison à empresa Ruby Life Inc., cerca de 15,2 mil pessoas acessaram diariamente o site em 2020, um número pouco menor que o registrado em 2019 (15,4 mil). O estudo mostra que, apesar da quarentena, 95% dos usuários mantêm a intenção de trair.
A explicação seria o desgaste dos relacionamentos durante o confinamento. “A infidelidade se mostrou um instrumento eficaz contra o estresse causado pela convivência com o cônjuge e os filhos 24 horas por dia, 7 dias por semana”, diz o canadense Paul Keable, diretor de estratégias do Ashley Madison.
Apesar do alegado apaziguamento que a traição pode proporcionar, mais da metade dos consultados no estudo da Ruby Life Inc. afirmou que pretende seguir as recomendações das autoridades de saúde para evitar o contágio do novo coronavírus. Pelo que se apurou, a tendência agora é a “traição monogâmica”.
“Em janeiro, observamos que 55% dos adúlteros reduziram o número de parceiros extraconjugais [não virtuais] a um ou poucos”, diz Keable.
Ainda segundo o relatório, 65% dos usuários afirmam que serão mais seletivos, e 55% disseram que provavelmente deixarão de ter vários parceiros físicos ao mesmo tempo.
Sagrada família
Criado em 2002, o Ashley Madison foi fruto da percepção de que havia “uma grande quantidade de pessoas casadas, fingindo ser solteiras”. “Na época, elas se infiltravam em sites de relacionamento para singles. Nossa ideia foi conectar pessoas que compartilhavam um objetivo semelhante: ter casos discretos, sem abandonar a família”, explica Keable. 92% dos usuários consultados afirmam não estar interessados em se divorciar.
Aplicado em 20 países, o relatório mostra que a versão brasileira do site apresenta a terceira maior taxa de mulheres em relação a homens: 2,2 para 1. Perde apenas para a Colômbia (2,8 para 1) e França (2,5 para 1). Paul Keable diz que não foi preciso fazer nenhuma alteração no site para adaptá-lo à proporção local: “Os números podem variar, mas a infidelidade é um comportamento universal”, afirma.
O site reconhece que é impossível fazer o controle do estado civil de todos os usuários. Em ambiente virtual, o perfil fake parece ser um fenômeno inevitável. Outros sites “dirigidos” — para gays, lésbicas, idosos, fetichistas etc — também não podem garantir a exclusividade anunciada.
Pergunta básica
O que leva uma pessoa a ingressar em um site para adúlteros, quando poderia trair no dia a dia — no trabalho, com amigos, ou em encontros casuais? O psicoterapeuta de casais e famílias Luiz Cuschnir, criador do “Gender Group” do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, diz: “No ambiente real (não virtual), homens e mulheres casados ou comprometidos estão mais expostos. A traição realizada no mesmo círculo social pode afetar reputações que não devem ser desconstruídas (de pessoa ‘monogâmica’, ‘séria’, para quem ‘a família é sagrada’).”
Cuschnir acredita que a quantidade maior de mulheres em relação a homens, em um site dedicado à infidelidade, pode ser reflexo de um resquício de moralismo. Ali, elas se sentiriam mais protegidas. “A sociedade passou por muitas transformações nas últimas décadas, as mulheres realizaram conquistas importantes do ponto de vista sexual e em relação ao casamento e à família, mas ainda são mais cobradas pelo recato que os homens.”
Rápido e prático
Para o comerciante Walter*, 51 anos, casado há 17 e frequentador do Ashley Madison há cinco, a vantagem do sistema é a “praticidade”. “Trabalho o dia inteiro, não tenho tempo de buscar parceiras fora nem posso me expor ao risco de ser flagrado por conhecidos”, diz ele, que é pai de duas meninas de 16 e 11 anos. Walter contabiliza nove encontros pelo site, e “outros que ficaram só na conversa”.
Segundo ele, a amante ideal é aquela que “deixa claro que quer somente sexo, sem envolvimento afetivo, e que não se arrepende do que faz”.
Mariana pensa igual: “Não me venha com cobranças, nem tente me ligar no fim de semana.” Ela diz que nunca sofreu ameaças do tipo “se não me encontrar, conto para seu marido”. “Estamos todos no mesmo barco.”
Efeitos colaterais
Tanto Mariana quanto Walter apontam pelo menos dois efeitos colaterais nos relacionamentos iniciados pela internet: o vício de passar o dia inteiro consultando o site; e o acúmulo de conversas que não saem do virtual.
Paul Keable puxa a sardinha para a sua brasa. Diz que o encontro virtual durante a quarentena pode ter salvado vidas. “Muitos usuários optaram por esperar uma vacina, antes de marcar um encontro real e fazer sexo.”
Levando-se em conta que a idade média dos frequentadores do Ashley Madison é 35 anos e que o calendário de vacinação obedece à faixa etária — dos idosos para os mais jovens —, infere-se que esse contingente de adúlteros prudentes deverá se contentar com o relacionamento virtual por pelo menos seis meses. Isso, claro, se o cronograma de vacinação seguir como o prometido.