O que caracteriza um abuso psicológico ?

UOL – Jornalista Sibele Oliveira

17/04/2020

UOL –  O que caracteriza um abuso psicológico ?

Luiz Cuschnir – Há décadas passou-se a falar mais das agressões físicas às mulheres, muito evidenciada pelo movimento feminista que se fortaleceu mais por aqui na década de 80. Com as conquistas do lugar mais reconhecido da mulher na sociedade, busca-se também aspectos mais camuflados da relação dela com o homem e as conquistas sociopolíticas são evidentes como quando das agressões físicas pelas quais ela passa surge bem depois a Lei Maria da Penha. Ampliado o conceito de abuso nos relacionamentos, passa-se a falar mais do que não é somente com agressões físicas, e na sequência com o Masculismo, as emocionais, as psicológicas nos relacionamentos. Estendendo então o conceito também para outras relações familiares, profissionais e sociais. Então podemos diferenciar o psicológico do que depende da agressão física e do mais anteriormente ressaltado e diagnosticado na Psiquiatria como os abusos e dependências químicas.

 
UOL – Quais são os tipos de abusos psicológicos ? (Também farei um tópico explicando os principais tipos)

Luiz Cuschnir – A mistura da relação amorosa com ameaças que passam pela dependência econômica (não dar dinheiro enquanto não houver sexo ou outros tipos de subserviência).

A confusão entre cuidar, atender ou servir o outro e a pessoa sentir-se forçada a atos ou funções que vão ultrapassam a possibilidade de escolha gerando  a humilhação   consciente ou camuflada por outros conceitos psicológicos que distorcem a percepção do que está ocorrendo.

A chantagem explícita ou não, provocando o medo principalmente de abandono ou maus tratos.

As ameaças veladas de exposição familiar, social ou profissional para pessoas que não toleram essa revelação, seja por conflitos pessoais como por controles sociais rígidos em relação a essa situação.

 
UOL  –  Quem costuma praticar esses abusos ? São somente as pessoas com transtornos de personalidade, psicopatia ?

Luiz Cuschnir – Absolutamente não. Todos nós podemos estar cometendo abusos por vários motivos. Primeiro ele depende dos dois lados, das duas ou mais pessoas envolvidas. Conhecer o outro nessa dimensão mais profunda onde fica claro o limite que ele tem, demanda muito convívio e capacidade de perceber e poder respeitar o que ocorre com ele. Agora mais difícil ainda é a dedicação ao desenvolvimento pessoal, ao autoconhecimento. As manipulações conscientes e inconscientes que todos fazem com as explicações que justificam os abusos que podem estar cometendo demandam muitas revelações a si próprio. A sinceridade consigo muitas vezes precisa de uma proteção, a segurança e estrutura para mudanças que principalmente um vínculo psicoterapêutico mais consistente pode proporcionar.


UOL  –  A pessoa está sendo vítima de um abuso psicológico emite sinais? Quais ?

Luiz Cuschnir – São tantos quantos a diversidade de características que encontramos nas pessoas. Alguns:

° Sensação de infelicidade mesmo exteriormente ter uma vida que condiz ao que deseja.

° Tristeza sem saber bem o porquê que impede de aproveitar e comemorar totalmente o que lhe acontece.

° Depressão que se apresenta com sinais evidentes como choro, falta de vontade (anedonia), ° insônia, desinteresse pela vida etc.                                                                                                                    


° Ansiedade preenchendo  a vida excessivamente causando uma constante sensação de alarme ou medo.


° Empobrecimento das vivências que correspondem a suas habilidades e capacidades, diminuindo o seu potencial vital. Sentimentos ou pensamentos de desvalia, de desamor, sem empatia, sem ressonância amorosa.


UOL  –  É pior quando esses abusos acontecem dentro de um relacionamento afetivo do que no ambiente profissional, por exemplo ? Por quê ?

 
 

Luiz Cuschnir – Essa medida dependerá da importância que um ou outro representa ao seu propósito de vida. Se o mais importante são os relacionamentos, casamento, namoro, filhos, pais, esses abusos podem transtornar de uma forma tão intensa que nada conseguirá sobrepor, seja o sucesso profissional ou econômico, seja um estilo de vida ou uma viagem maravilhosa para preenche-la e validar o sentido da sua vida. Da mesma maneira se na vida profissional houver esse abuso e é crucial que tenha as conquistas que irão confirmar essa pessoa em uma dimensão inigualável com outras conquistas, os efeitos do abuso tomam conta de tudo. O mal trato ou exigências, assim como os distúrbios com outros funcionários provocados por desvios de condutas desses outros ou mesmo inadequações da própria pessoa, afetarão o ambiente profissional e por conseguinte a  própria realização como tal.

 
 


UOL –  Quais são as consequências desse tipo de abuso para a saúde mental ?

 
 

Luiz Cuschnir – Já mencionei acima alguns dos quadros que propiciam os sinais psicológicos e psiquiátricos que podem surgir. Atingem o equilíbrio para a realização de uma vida plena e acabam afetando os relacionamentos.

 
 


UOL  – E para a saúde física ?

 
 

Luiz Cuschnir – Também mencionei  alguns que interagem com o físico. Por exemplo a privação, baixa qualidade  e excesso do sono propiciam efeitos hormonais que afetam vários sistemas. Problemas alimentares, dependências e abusos de substâncias e álcool, disfunções gastrointestinais, afecções dermatológicas, problemas ortopédicos e posturais etc. Tudo isso pode ser consequência direta ou indireta de uma situação abusiva importante ao ponto de desestabilizar várias áreas do indivíduo.

 
 

 
UOL – Qual é o tratamento as vítimas de abusos psicológicos ?

 
 

Luiz Cuschnir – Há os sintomáticos, onde medicação é imperativa, mas atividades que propiciam um menor desgaste para enfrentar essa situação, ajudam para que haja mais recursos disponíveis para o enfrentamento desses abusos. É importante ressaltar que o fortalecimento para lidar com essa situação vem tanto para o que é conhecido já da pessoa como para estrutura-la para perceber que está sendo atingida por ele. A estrutura psicológica para lidar diretamente com ele não será solucionada com remédios, relaxamentos, atividades físicas, ou procedimentos externos e sim conseguir ver melhor e poder escolher as opções que tem.

 
 


UOL –  Qual é a importância do tratamento ?

 
 

Luiz Cuschnir – A importância do tratamento, já se deve a quem deseja lidar melhor com o ocorre com ela. Imaginar que conseguirá mudar uma situação que tomou conta dela de uma maneira tão avassaladora, vai provocar atitudes que impedem dela mudar realmente. Mecanismos psicológicos de defesa criam artefatos para que os movimentos de mudanças não deem certo. Não há dúvidas que se há consequências psíquicas, físicas ou sociais, atitudes médicas precisam ser verificadas como opções para ajudar essa pessoa.

 
 


UOL –  Quando é necessário procurar tratamento ? Depende do tempo que a pessoa sofreu o abuso ou da intensidade desse abuso ?

 
 

Luiz Cuschnir – A procura será feita quando o que a pessoa percebe ou que ela atende ao apontamento dos outros  e houver alguma consciência do fato ou das consequências que sofre. Certas pessoas, com um nível de autoconhecimento elevado, se dão conta mais rapidamente. Algumas até sabem se prevenir precocemente. Outras insistem e criam uma estrutura para enfrentar aos abusos e podem até revertê-los havendo a transformação da relação ou do ambiente. Médicos podem tratar diretamente as doenças que aparecem. Psiquiatras tem recursos medicamentosos  para aliviar os sintomas psíquicos. Psicoterapeutas tem recursos para acompanharem o reconhecimento e o desenvolvimento das transformações necessárias, inclusive para ajudarem a avaliar a intensidade desses abusos.

 
 


UOL –  É possível se recuperar sem tratamento médico ou psicológico ? Se sim, em quais casos ?

 
 

Luiz Cuschnir – Como falei, esse abuso psicológico tem dois lados envolvidos: a própria pessoa e quem está construindo com ela essa situação. Agir sobre isso e modificar chegando a uma “recuperação” pode ocorrer quando pelo menos um muda. Se essa mudança perdurar, provocará uma nova estabilização que dependerá de como cada um seguirá a vida, sozinho ou no mesmo ambiente relacional.

 
 


UOL –  Há dicas para isso ?

 
 

Luiz Cuschnir – Primeiro deve-se fazer uma boa revisão em todos os aspectos da própria vida.

 
 

Aí conversar honestamente consigo próprio o que pode estar escondendo que não quer ver.

 
 

Aumentar esse processo de autoconhecimento observando se ao perceber o abuso, também localizar o abusador  que ele próprio é.

 
 

Ir tirando as máscaras para perceber se as tentativas de mudanças são feitas só repetindo  a forma mas que o conteúdo de ser abusado reaparece de outra maneira.

 
 

Procurar ajuda profissional aberta para ouvir e localizar o que realmente acontece, com várias vertentes, e não procurando para ouvir o que acha que já sabe e quer escutar do outro (isso vale até para amigos ou familiares).

 
 

UOL –  O que pode acontecer se a pessoa não buscar um tratamento?

 
 

Luiz Cuschnir – Dependerá da gravidade do que ocorre. Se há um pacto na situação que tudo que é afetado com ela, nutre ambos, as consequências permanecerão, sejam psicológicas, físicas, familiares, sociais, profissionais e espirituais. O Propósito da vida de cada um pode ser “maquiado” por uma pseudo tolerância e ir contra o sentido que cada um dá para o valor da sua vida.

 

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