Revista Villa Mariana – 05/2013
Felicidade, amor, trabalho e, talvez o mais importante, liberdade. Como homens e mulheres se satisfazem individualmente e como se relacionam no mundo de hoje? Você sabe?
Conversamos com o doutor Luiz Cuschnir, médico psiquiatra e um dos mais respeitados especialistas brasileiros quando o tema são homens, mulheres, casais e família. Mestre em Psiquiatria pela USP e especializado em Psicodrama em São Paulo, na Argentina e Estados Unidos, Cuschnir é autor de nove livros, consultor de diversos veículos da grande mídia, idealizador e coordenador do Gender Group® do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e do IDEN – Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher. Além disso, é morador apaixonado do bairro Paraíso e tem uma clínica no bairro. Confira a entrevista, está para lá de boa.
V. Mariana: Há 22 anos, a Veja publicou uma entrevista com o senhor, onde foi dito que as mulheres estavam começando a se posicionar com novas posturas profissionais em relação aos homens, que eles deveriam se adaptar a isso e que os mesmos estavam sofrendo nesse princípio de adaptação. Hoje, esse cenário melhorou, continua o mesmo, ou piorou?
Luiz Cuschnir: Naquela época, quando fui lançado para este trabalho, realmente, o homem era como um “contêiner”, como foi esboçado em um dos meus primeiros livros. Ele era uma pessoa que não conseguia sorrir, ser simpático e agradável, porque isso já afetava a masculinidade dele. Então, assim é um dos aspectos que mostra que alguma coisa estava amarrada de um jeito que o homem não poderia expressar o seu sentimento. Tudo era proibido. O permitido era algo muito velado e muito privado. Hoje, o homem pode expressar não só o sorriso, mas muitas outras coisas que vão dentro dele, no seu mundo interior.
Em um dos trabalhos que fiz há pouco tempo atrás prestei atenção nisso. Em um grupo de homens e mulheres pedi para ambos escreverem uma autobiografia, que falassem sobre o amor. Duvido muito que anos atrás, os homens escreveriam amor. Parece que, naquela época, esse sentimento era algo só da mulher e neste trabalho que me refiro recente, homens e mulheres puderam escrever a respeito de amor. Isso significa que os homens estão admitindo dentro deles, de alguma forma, que eles podem expor, escrever e se aprofundar, diferentemente dos homens daquela época, que além de não poderem contactar com essa situação interna emocional, estavam em uma situação onde não sabiam como lidar com esse avanço e transformação da mulher. Até porque elas estavam ocupando espaços e começava o que acontece mais largamente hoje: os homens já estavam perdendo.
V. Mariana: Qual é a responsabilidade da mulher nesta mudança? No que elas ajudaram nesta evolução masculina?
Luiz Cuschnir: O desenvolvimento do homem é uma evolução e também um desenvolvimento das relações homem e mulher. Não é só o homem que mudou, a mulher foi mudando, foi se ampliando e a relação homem e mulher passou a uma simetria. Não são iguais. Cabeça de homem é diferente da cabeça de mulher, o coração também. Existia na sociedade uma assimetria, o homem em um nível acima e a mulher em um nível mais abaixo.
Eram relações assimétricas que ocorrem quando o poder se estabelece entre ambos de uma maneira autoritária no mínimo. Hoje, o homem sai dessa posição de prepoderância e a mulher sobe a um patamar que nivela os dois de uma certa maneira.
Ainda existem algumas assimetrias, mas se formos tirar pela média, dá para perceber o quanto mulheres e homens conquistaram situações em que os dois se preparam e contam um como outro para contribuírem e chegarem às realizações na vida principalmente do ponto de vista emocional. As mulheres têm habilidades adquiridas para enfrentar o mundo e os homens estão agregando às suas, com a possibilidade de incluir a emoção na vida deles. Se ambos se desenvolvem, o vínculo entre os dois ganha.
V. Mariana: E como é esse aprendizado dos homens?
Luiz Cuschnir: A mulher cobra dos homens e já chegamos ao ponto de também eles ensinarem a elas a respeito de sentimento e emoção. Eles ficam atentos às mulheres que não os respeitam ou à família deles. Escolhem claramente as que aceitarão o que eles têm em seu back ground e olham a maneira que elas se comportam como um todo para elegerem a companheira. Não adianta ela imaginar que estar do lado dele contra a própria família, conseguirá mantê-lo perto dela.
Por sua vez a mulher teve que batalhar, brigar e se impor. Digo, muitas vezes, que para a mulher conseguir o que tinha que conquistar precisava , às vezes, abrir a porta à força, arrebentar a fechadura e mesmo assim não adiantava. Ela precisava deixar o pé dela, se não esta porta se fechava. Hoje, a mulher não precisa mais disso. A mulher atual já tem posições conquistadas e asseguradas, se a mulher fecha a porta é porque ela quer. É o momento dela.
Sabemos que existem variações. A mulher, em certos momentos, quer a intimidade, quer se dedicar à família, não querer seguir uma batalha no espaço público e sim se desenvolver no espaço privado dela. As mulheres brasileiras se queixam de ter uma certa dificuldade, críticas da sociedade, se não fizerem isso.
Mulheres de outros países aceitam mais que, em algum momento da vida, elas não vão procurar seu espaço profissional fora e vão utilizar o espaço familiar para se realizar. O homem se desenvolveu também, adquiriu novos “skills”, novas habilidades e com o autoconhecimento do que ele sente o mais importante é que ele conseguiu se expressar. Homem que consegue expressar o que ele sente está com tudo. Mas ainda há homens que sentem, mas não sabem expressar. Na hora que o homem se expõe, ele terá que, de alguma forma, convencer a mulher de que é a partir de uma expressão masculina. Antes quem ensinava era ela, agora o homem vai ensinar a mulher que há um jeito do homem sentir, um jeito masculino, que não é igual ao dela. Homem sente, se emociona, ama, de maneiras diferentes de como a mulher faz. E não existe o certo, é o que cada um tem para construir uma relação sólida, densa e que traga felicidade para os dois.
V. Mariana: Esse caminho de ensinar a colocar para fora seus sentimentos é o que você trabalha na terapia com os homens?
Luiz Cuschnir: O trabalho da terapia é um processo de transformação, ninguém vem a uma terapia para ficar igual. Ou a pessoa percebe que tem alguma coisa nela que precisa mudar, ou que fora dela existe algo que não está dando certo e que ela não está aceitando. Às vezes o que a mulher não conseguiu entender, escutar, enxergar, ele se desenvolve na terapia para uma possibilidade de encontrar um caminho para se resolverem melhor. Para o homem que tem naturalmente esta dificuldade de identificar o que ele sente, a terapia permite ampliar isso e ele, aos poucos, vai adquirindo confiança de poder se expressar melhor.
Como terapeuta, mostro que não tem juízo de valor com o que estamos trabalhando. O homem tem que confiar no terapeuta e que não há julgamento. Ele deposita confiança nessa relação que o permite andar, caminhar e depois correr, aí se desenvolvendo para ampliá-lo em muitas questões. A ampliação emocional atinge diretamente relacionada às relações, a vida profissional, econômica, o ser masculino como um todo. Esse homem tem tudo a ganhar em uma terapia que vai desenvolvê-lo como pessoa. O jeito que trabalho é nessa confirmação da identidade masculina. O mesmo recurso eu uso para asas mulheres se pautarem na identidade feminina.
V. Mariana: Quais são as ferramentas que você utiliza para fazer este processo funcionar?
Luiz Cuschnir: Depois de um tempo de profissão, nós terapeutas adquiririmos mais habilidades. Minha formação é Psicodrama e outras tantas me permitiram desenvolver esse jeito de ajudar o paciente a visualizar cenas, levá-lo a perceber o que está acontecendo, como é o “setting” daquilo que está trazendo. Assim ele identifica o que sente, pode perceber melhor o que estão achando dele, o que ele não está conseguindo e como ele comunica as questões dele.
Esta é uma das referências que uso para desenvolver uma melhor percepção de si e do mundo em sua volta. Então posso realmente criar uma cena e dramatizar esta situação. Para expressar melhor uso um desenho ou, posso utilizar a música como uma maneira de inspirar certos sentimentos que vão aprofundar e facilitar a mulher e o homem a localizar o que está acontecendo dentro deles. Há inúmeros recursos gráficos que permitem que o paciente visualize esse organize nesse conhecimento do que vai dentro dele.
V. Mariana: O paciente mais difícil de trabalhar é o homem ou a mulher?
Luiz Cuschnir: A mulher não demonstra com clareza que tem dúvida a respeito da sua feminilidade, mas possui muitas dúvidas sobre onde encontrar o referencial feminino. Ela tem aquela coisa de produzir muito e depois pergunta “mas e o meu feminino, minha essência feminina… onde está?”. Quando ela percebe que trabalhando sua essência feminina, se solta e pensa “eu posso parar aqui, não estou mais jogando, só produzindo ou trabalhando, me deixa ver como é que eu sou como mulher aqui ou ali…”.
O homem já tem suas dificuldades e se dispõe a uma terapia. Se coloca permeável na terapia, aproveita e usufrui muito. Temas mais complicados levam tempo para abrirem-se. Muitas vezes diz “eu nunca falei isso para ninguém, nem acho que vou falar algum dia, só dá para falar aqui”. Os homens têm muitos fantasmas e muitas vezes eles estão escondidos, mas quando encontram um espaço protegido, sigiloso. Na verdade tanto os homens quanto as mulheres precisam disso, têm mais facilidade de se expressar.
Difícil é quando alguém, tanto faz homem ou mulher, vem para ensinar e não para aprender, alguém que acredita que já sabe tudo. Quem já sabe tudo não se transforma, quem já está alimentado, não sente fome e esses são os pacientes difíceis, eles vêm para a terapia porque querem receber alguma coisa, mas se eles não abrirem a boca, os olhos, a audição, sentirem o cheiro, sentirem o tato, não desenvolverem seus sentidos, não vão mudar nem se enxergarão fora nem no espelho. Nestes casos, a terapia não os desenvolve em nada.
V. Mariana: E como fica a relação dos casais?
Luiz Cuschnir: O casal que troca é um casal que está ganhando. Porque nós criamos vínculos afetivos? É para ganhar, melhorar, senão é melhor ficarmos sozinhos, certo? O casal perfeito é aquele no qual, cada uma das partes, constantemente, oferece para o outro o que tem de melhor. Quero dizer que precisa existir troca. Esse vínculo permite o fortalecimento de ambos e o casal usufrui ao máximo do que a relação pode oferecer. Casais com características diferentes multiplicam, dois iguais só vão somar, se a idéia é crescer, evoluir, os que multiplicam estão mais próximos de serem felizes.
No casamento, as pessoas só sabem falar do “nós”, não sabem falar no “eu”, tudo é “nós”. Assim, as referências do “eu” desaparecem e a pessoa não sabe direito se gosta disto ou daquilo. É claro que vai chegar uma hora, lá na frente, que a pergunta virá à tona: “e eu, onde estou?” “porque me afastei tanto do que eu sou?” O certo é a individualidade formar um nós e não que este apague a individualidade de cada um.
E assim, quando conseguem propiciar o melhor do outro, não o pior, os erros e desvios do outro, ambos sairão ganhando.
V. Mariana: Hoje, por que um casal chega a se separar? Como a mulher está em destaque nas relações, ela pode reverter uma separação?
Luiz Cuschnir: Eu diria que a mulher tem mais instrumentos para lidar com a situação do afastamento do casal do que o homem. O homem, muitas vezes, precisa usar artefatos que não estão disponíveis para eles para dar conta de um afastamento entre eles. O sexo masculino está acostumado a ligar sedução a sexo, uma paquera, um xaveco, isso é algo que o homem está acostumado a fazer. A mulher tem outros recursos, ela consegue criar ambientes emocionais e inventar histórias que podem agir diretamente na aproximação afetiva deles. A mulher tem recursos para investir e, aos poucos, dissolver uma situação de separação se ela estiver disponível, mas é claro que vai depender do outro lado aceitar. Em um dos trabalhos que fiz, uma mulher falou que o marido é sério e distante. A partir daí pensamos em propor uma atitude do casal diferente do que estavam acostumados. O homem sentiu que tinha liberdade de colocar para ela o que não colocaria se não tivesse na presença de alguém que pudesse mediar. É muito comum que isso aconteça mesmo em sessões de pai e filho, mãe e filha e etc. o que percebo é que a mulher, muitas vezes, aprende como chegar a isso com mais facilidade. Por isso mesmo que a mulher acaba sendo quem encaminha o namorado ou o marido para terapia.
V. Mariana: E o homem percebe que a solução pode estar na terapia?
Luiz Cuschnir: Com certeza. O fato dele ir à terapia não quer dizer que ele seja culpado.Ele não vem à terapia porque é o errado. Afinal se conseguir entender o que é melhor para a vida dele, vai conseguir ajudar muito a mulher também. Por isso não quero dizer que a mulher sabe tudo, nem que percebe o que está fazendo para afastá-lo. Ela sabe que ele, muitas vezes, não se posiciona e se queixa que homem não rende, que homem é devagar. Em muitas coisas, para elas, o homem é devagar mesmo. Mas, dentro dele não é nada devagar, nada vazio, ele apenas não consegue colocar o que sente. Daí o benefício de um processo psicoterapêutico: quem não consegue fazer isso hoje em dia, não se movimenta, diminui a velocidade.
V. Mariana: O que é o ser feliz para o homem e o ser feliz para a mulher?
Luiz Cuschnir: Não acredito que a felicidade é algo que uma pessoa conquiste e que sirva pela vida toda e o tempo todo. O que acredito é que a pessoa pode estar feliz em uma situação, em algumas ou em várias. Hoje, o que vejo para o homem como sendo um dos seus momentos de grande felicidade, é quando ele está bem na vida amorosa, está livre para o amor, e o livre é poder dizer sim e poder dizer não. E voltando, quando está podendo viver o amor sem uma pressão, sem uma obrigação ele estará melhor na vida como um todo. Esse amor não é só com a mulher, mas é também o amor da família e amigos se tiver e, muitas vezes, o que conquista com a paternidade.
Falando nisso, o homem percebe muito claro que a paternidade não é uma obrigação e sim um prazer, uma possibilidade de se realizar e quanto mais livre estiver nessa relação de pai, mostrando com liberdade como ele é e o que ele pensa e como ele cuida desse seu filho ou filha, esse homem pode atingir muito do que deseja para ser feliz.
Mas não podemos esquecer que a vida profissional e a realização econômica são cruciais na sua confirmação, na satisfação na carreira, com o que ele faz. Existem homens que somente enxergam isso com o dinheiro, outros com o que fazem com a profissão. O homem que consegue conciliar a liberdade com essas coisas todas, tem mais chances de dizer que está feliz.
A mulher de hoje consegue a felicidade quando também está amando e, principalmente, quando percebe que está sendo amada, e ela tem necessidade de perceber isso. Ela não entende que o homem a ama porque ele não lhe diz “eu te amo”. Mas, ele pode estar expressando o amor dele de várias outras maneiras, seja pela dedicação ou até por estar pensando nela. Ela não sabe porque ela não escuta, não vê, e a mulher precisa muito disso: precisa ver e ouvir. Quando a mulher recebe esse presente, desde que não seja um presente enjoativo (há homens pegajosos), essa mulher se sente muito feliz.
A mulher que está focada na carreira profissional também receberá daí esses elementos dar felicidade, quando percebe que está na posição que almejou e está recompensada por isso. Quando a mulher consegue de alguma forma, construir uma vida familiar dentro do que é possível, ela também vai se sentir completa.
Ambos têm que entender que a felicidade se dá para certas fases da vida, a cada momento, década, época. O estar feliz pode vir de outro lugar e essa possibilidade de transitar pelos vários lugares que a vida oferece, é uma grande chance de cada um conquistar mais momentos para se sentir feliz.