O Estado de São Paulo (Suplemento Feminino) – 02/07/2005
Todos já ouviram falar de feminismo, resgate da essência feminina e até de encontros nos quais as mulheres, e só as mulheres, falam umas às outras de coração aberto. Mas e o “masculismo”? Alguém conhece? Provavelmente, apenas os pacientes e leitores dos livros do psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir. Afinal, ele usa o termo para fundamentar sua tese.
“É o equivalente a feminismo”, responde.
Há 30 anos, Cuschnir atende adolescentes, adultos e casais. Em um dado momento, percebeu que, quando os pais levavam o seu rebento ao consultório, era a mulher que fazia o papel de intérprete do filho e do pai.
“Apesar de esse comportamento ter um lado bom, acabava atrapalhando a proximidade afetiva de pai e filho, numa relação que já costuma ser distante.”
Inconformado com esse gelo afetivo que cerca os homens e com a falta de informação sobre o comportamento masculino, Cuschnir resolveu investir nos chamados grupos de gêneros. Trata-se de reuniões, só de homens ou só de mulheres, que trocam experiências e participam de vivências psicoterapêuticas, buscando a própria identidade e uma estrutura mais sólida para enfrentar os desafios do cotidiano.
“Toda a psicologia foi estudada a partir da mulher, há muito pouca informação sobre o comportamento masculino. Eles próprios não sabem definir o que é ser homem, porque muito raramente se abrem emocionalmente e ficam sem parâmetros de comparação”, diz o psiquiatra.
No final dos anos 80, ele especializou-se em grupos de gênero na Holanda. De volta ao Brasil, foi o pioneiro nesse tipo de atendimento. A partir da metade dos anos 90, levou o assunto ao Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, onde coordena o Gender Group® (termo em inglês usado por ele para designar os grupos de gênero). Tornou-se, assim, uma autoridade em assuntos relacionados às abissais diferenças entre os sexos, com sete livros publicados. Exemplos do descompasso da interação homem-mulher não faltam quando ele junta os grupos Femininos e masculinos que atende.
“Peço para os homens comunicarem uma emoção ou um pensamento. Depois, digo para as mulheres repetirem o que eles falaram e elas nunca conseguem, pois interpretam e colocam conceitos próprios no meio.”
Já os homens costumam repetir, ipsis litteris, as palavras delas, contrariando o mito de que não sabem ouvir. Outras lendas também caem por terra durante a conversa com o expert em relacionamentos e peculiaridades dos sexos.
Feminino: Os homens passaram a se sentir o novo sexo frágil após a emancipação feminina?
Luiz Cuschnir: Eu também vejo a mulher como um ser em crise. Os homens aprenderam muito em pouco tempo, tornando-se mais comunicativos, mais presentes dentro da dinâmica da casa, mais próximos dos filhos. E entenderam que não precisam ser os únicos provedores. Já as mulheres dividem-se hoje entre diversos papéis e sofrem muitas cobranças. Elas perderam com a diminuição do tempo de convívio com os filhos. No pouco tempo que sobra, é difícil cuidar da vaidade e da saúde, ao mesmo tempo. No ambiente corporativo, em muitos casos, elas ainda enfrentam preconceitos. Há locais onde elas são até proibidas de usarem saias ou muita maquiagem. Então, são impedidas de serem quem são e têm pouco tempo para entrar em contato com suas próprias emoções, com a feminilidade essencial. A mulher está sendo vítima de uma sociedade que tenta transformá-la em uma máquina. A conseqüência são mulheres que ficam doentes precocemente, ou ainda uma infelicidade que vai deixando-a dura e pouco sensual em alguns casos.
Feminino: Quais são as principais reclamações do novo homem sobre essa nova mulher?
Luiz Cuschnir: Eles estão bastante incomodados com o distanciamento da mulher da casa e do relacionamento. Mas não é que elas não queiram estar presentes, mas elas têm que fazer uma opção porque o desenvolvimento da carreira consome tempo. Até hoje, são muito poucas as empresas que aceitam que seus funcionários trabalhem em casa ou por meio período.
Feminino: E quais são as qualidades que elas desejam encontrar nos homens com quem se relacionam hoje?
Luiz Cuschnir: Elas querem homens que possam admirar, que possam protegê-las e que tenham aquele perfil do pai que assegura a tranqüilidade dela. Claro que elas querem continuar o seu próprio percurso de desenvolvimento profissional, mas desejam homens mais maduros emocionalmente. As mulheres amadureceram muito, ampliaram sua percepção do mundo, do mercado econômico. Então, elas conhecem melhor suas próprias necessidades e sabem exatamente o que querem no parceiro.
Feminino: Mesmo com o crescimento emocional dos homens, o que falta ainda?
Luiz Cuschnir: Falta a eles uma firmeza na utilização de paradigmas masculinos, com maior profundidade, sem medos. Eles estão buscando novos jeitos de se relacionarem com a mulher, mas ainda são imaturos porque sentem muito mais medo de feri-las do que de serem totalmente sinceros. Dizia-se que as mulheres eram as maiores sonhadoras, fantasiando histórias românticas, vivendo no mundo da lua. Na verdade, os homens fazem isso tanto quanto ou até mais do que elas. O homemnunca sabe se está com a mulher certa, vive numa busca incessante e sempre acha que pode haver outra melhor, que pode completá-lo totalmente. Isso ainda é imaturidade. Ele busca soluções dos problemas sempre fora e nunca dentro dele mesmo. é uma forma de escapismo.
Feminino: O número de divórcios não pára de crescer, em relacionamentos que duram cada vez menos. O que motiva tantas separações? Estamos usando a mesma lógica do consumismo, entrando em relações descartáveis?
Luiz Cuschnir: A sociedade promove o consumo e instiga as pessoas a terem fantasias sobre os relacionamentos. Eles são vendidos como algo perfeito. Nessa lógica, as mulheres devem sempre ser lindas; os homens, musculosos; os beijos, sempre maravilhosos. Passam isso como um estilo de vida. Então, a mulher que absorve o conceito de bem-sucedida e arrogante precisa procurar um parceiro perfeito, à altura dessa imagem. Por sua vez, os homens também buscam mulheres perfeitas, que sempre dêem prazer a eles. Ambos têm expectativas inatingíveis. As pessoas ficam reféns de um conceito que não é delas, que não existe. A conclusão é a insatisfação. é como se a pessoa fosse estimulada permanentemente a querer outro, nem sempre melhor, mas outro. Assim como ela é incentivada a querer outro tênis, outra blusa, fazer outra viagem, etc.
Feminino: Qual é a melhor vacina para altas expectativas, que acabam frustrando homens e mulheres e até contribuindo para eles ficarem sozinhos?
Luiz Cuschnir: O único jeito é a pessoa se defender das imagens impostas de fora. é a mulher decidir que não vai assistir a Sex and the City, porque não compartilha daqueles valores. O único caminho é descobrir quem é ela, ou quem é ele, no que eu chamo de busca do ser essencial, independentemente de todas as imagens que vêm de fora.
Feminino: O senhor diria que estamos muito pouco tolerantes aos defeitos alheios?
Luiz Cuschnir: A baixa tolerância nos relacionamentos acompanha as altas exigências, na mesma proporção. Quando há discórdia, geralmente, é por uma incapacidade psicológica de um dos parceiros ou dos dois. O que cada um tem de incômodo, geralmente, projeta no outro. é muito raro dizer que o parceiro é agressivo se a pessoa não for também, ainda que de outra maneira. Existe o que chamamos de agressividade passiva, que pode ser a falta de interesse, o desprezo. Quando se cria um ciclo de agressões mútuas, e o casal não tem um interlocutor que traduza a crise, como um terapeuta, um amigo ou mesmo um familiar, é difícil sair dessa trama e isso vai minando a relação. Pode-se criar uma espiral de destruição e o relacionamento vira uma bomba relógio.
Feminino: Quais dicas o senhor daria para os casais que querem evitar essa “espiral de destruição”?
Luiz Cuschnir: Quando for possível, é melhor não usar palavrões. Se o casal usa um jargão agressivo para falar sobre tudo, é muito fácil usar os mesmos termos quando briga. Todas as discussões deveriam estar envoltas no respeito pelo outro. A exaltação da sinceridade sem limites também não é boa alternativa. Não é preciso falar tudo o que se sente ou que vem à mente. Porque você pode atingir o outro em questões cruciais, e feri-lo de tal maneira que será irreversível. Tudo que fazemos ou dizemos ao nosso parceiro fica para sempre. Então, é melhor abster-se de comentários que desvalorizem a pessoa.
O dr. Luiz Cuschnir aponta diferenças básicas entre os sexos:
ELES X ELAS
Quando eles vão visitar um apartamento com a intenção de alugar: O homem vai diretamente para a janela olhar a vista, enquanto ela avalia a disposição dos quartos, a sala, a decoração. Ele precisa enxergar mais longe; ela é sempre mais detalhista.
Quando vão às compras: Ele sempre vai pensar no balanço econômico, enquanto ela avalia as diversas combinações – como, por exemplo, quais roupas ficarão bem juntas ou quais ingredientes no supermercado renderão refeições melhores. Além disso, o homem quer aproveitar o momento e comprar tudo de uma vez só. Ela gosta de apenas olhar as vitrines e buscar comparações de preços.
Hábitos Domésticos: Ele é mais tradicional, gosta de repetir programas conhecidos, como assistir ao futebol, ler jornais, etc. Já a mulher, geralmente, é mais experimental, busca novas opções tanto em casa como em programas externos. Aliás, é muito mais comum a mulher fazer a intersecção social do casal.
Ritmo Interno ou Pessoal: O homem precisa de um canto ou momento para ficar sozinho, refletir, pensar em si mesmo, enquanto a mulher aproveita mais os diálogos com ele para discutir questões. Ela consegue pensar enquanto fala. Ele precisa do silêncio; ela, da comunicação.