Kalunga Cotidiano
Não é de hoje que o homem cultiva o hábito de formar parcerias duradouras com seu semelhante, de preferência do sexo oposto. Mas, entre o desejo e a sua realização, existe um longo caminho.
À exceção de alguns religiosos, personalidades com desvios psiquiátricos importantes ou outras que apresentam dificuldade extrema nessa questão do acasalamento, sempre haverá alguém no mundo buscando estabelecer algum tipo de vínculo afetivo, mais ou menos profundo. O psiquiatra e psicodramatista Luiz Cuschnir, autor do livro “Os Bastidores do Amor”, comenta que essa necessidade de companhia costuma manifestar-se desde a mais tenra idade, inclusive dentro da família, por meio dos pais, irmãos, tios e agregados. Com o desenvolvimento da sexualidade e da capacidade de estabelecer relações afetivas, acompanhado da independência e de outros aspectos ligados à confirmação da identidade, tanto o homem quanto a mulher saem a campo nessa procura.
“A partir daí a pessoa começa a armazenar em sua mente como se fosse um arquivo paralelo, em que vai registrando seus fracassos e sucessos. Com a coleção de sucessos, desenvolve-se a auto-estima e, a partir dela, a habilidade de procurar parceiros“, diz Cuschnir.
As condições familiares, o fortalecimento do papel profissional, o aumento ou não de frustrações e outros aspectos psicológicos corroboram para que a pessoa tenda a procurar parceiros para essa conjugalidade. Ela consiste na relação de amor, no compartilhamento de vida, além de toda a questão da atração física e da sexualidade. Segundo o psiquiatra, o ser humano vai caminhando com os traumas, sucessos e fracassos, além das características individuais que vão se estabelecendo, mais ou menos estáveis. Esse é um panorama de evolução.
“Com o tempo, chega uma outra fase em que outras interferências podem provocar situações de arrefecimento dessa necessidade“, explica.
Quando isso ocorre, é porque a pessoa conseguiu suprir essa necessidade por meio do trabalho, do social, da família, dos filhos, da religião e de outras questões.
A Pessoa Certa
Na busca de parceria afetiva, os traumas podem desempenhar papéis contraditórios: paralisar ou impulsionar as pessoas. Segundo Cuschnir, eles tendem a ferir de modo que provocam retração; causam medo e desconfiança, que não são a mesma coisa. A desconfiança provoca uma série de distúrbios ligados à traição, raiva, agressividade que podem contaminar outros papéis na vida. Por exemplo, a pessoa insatisfeita afetivamente pode começar a trabalhar, a cuidar do filho; a tratar mal a família, o empregado, o amigo. Porém, ela pode aprender através de insucessos.
“É o que denominamos de ampliação da consciência. Essa é a grande diferença entre pessoas maduras e imaturas. As primeiras ganham a cada experiência; enquanto com as outras ocorre o contrário: absorvem o que tem de negativo na situação e ficam amargando. Por mais que busquem um relacionamento, o fazem para comprovar o insucesso, a impossibilidade“, analisa.
A criação de muita expectativa complica na construção de vínculo afetivo, principalmente quando quem procura não tem muito a oferecer. Na busca pelo “par perfeito”, a pessoa pode ser preterida exatamente por não preencher os requisitos do outro.
O Exemplo das Telas
O mecanismo que leva as pessoas a se apaixonarem não está relacionado à idealização do parceiro. O ideal de hoje pode não ser o mesmo de amanhã. Essa possibilidade foi confirmada por Silva numa pesquisa com mulheres.
“Perguntei se elas tinham se casado com quem queriam na época em que namoravam e 85% delas responderam que não. Isso demonstra que as pessoas podem se ligar a alguém que não seja o ideal. Não existe uma cartilha ou um método para ser bem-sucedido na procura de um companheiro. é algo profundo, que tem relação com as experiências, com a família, com professores, e está impregnado na nossa psicologia.”
Ambos os especialistas concordam que as novelas, os filmes e os romances influenciam as pessoas de tal maneira que elas não conseguem desenvolver um relacionamento saudável. Ficam na fantasia.
“Eles ressaltam em demasia o romantismo do início do relacionamento, mas sentimentos maduros, como a companhia, a compreensão, o apoio e a convivência, são poucos os que abordam. Como muitos casais não aprenderam e não vêem a valorização dessas questões, ao avaliarem seus compromissos, acreditam que toda a beleza inicial do relacionamento não existe mais. Passam a acreditar que não amam mais o parceiro“, analisa o psicólogo.
A contaminação dos valores, como ressalta Cuschnir, é observada na imagem da mulher perfeita esteticamente de uma maneira quase impossível de ser atingida pela grande parcela da população. O mesmo se dá com a imagem do homem protetor, de sucesso, que é sempre o herói. Essas imagens, aliadas à falsa idéia de que um relacionamento afetivo é um interminável romance, são “compradas” pelas pessoas.
“Isso fere e contamina os valores que se busca em um parceiro“, emenda.
Perdas e ganhos
Especialista em gêneros, Cuschnir constata que a mulher deste século se fortaleceu tanto profissionalmente que nos dias atuais apresenta um nível de ambição equivalente ao do homem. Quando ela não atinge esse desenvolvimento, tem baixa auto-estima.
“O profissional se elevou, e ela necessita dele para o seu fortalecimento e crédito como mulher adulta e madura. às vezes, o lado profissional sobrepuja o afetivo, familiar e conjugal.”
Nas décadas anteriores, os valores eram diferentes. O foco da mulher era o desenvolvimento da família e da maternidade. O papel profissional ficava como acessório e não era empregado nas despesas familiares. Ela precisava de um homem que tivesse ambição e uma boa condição profissional, mas principalmente que pudesse supri-la economicamente.
“A profissão era mais um objeto de satisfação pessoal e pouco contribuía para sua valorização como cidadã.”
O psiquiatra frisa que o perfil descrito não é uma regra geral, pois existem mulheres que estão em busca de relacionamento amoroso. é como se estivessem provisoriamente nesse mergulho completo no trabalho. Porque na hora em que encontrarem uma pessoa em que possam investir e se sentirem recompensadas, muitas repensarão a sua vida profissional. As mulheres, hoje, confessam a amargura que sentem e a busca infrutífera e frustrante de parceiros.
“Elas querem alguém que tenha saúde emocional. Não querem um homem suicida, que esteja voltado para o trabalho de tal forma que não tenha condições de fazer uma parceria afetiva com elas.” Ao mesmo tempo, desejam que essa pessoa tenha sucesso social, econômico e profissional.
Os homens não são seres perfeitos. Eles também viveram situações de crises no final da década de 1980 e continuam em busca de novos parâmetros.
“Não significa que não tenham crises, porém, o homem tem alguns valores que se mantiveram ao longo do tempo, como o profissional“, aponta.
Ele ainda ancora sua identidade na profissão que desempenha. Porém, os padrões mudaram: antes era dada importância ao prestígio e valores éticos e morais, hoje, essas questões têm menos relevância.
“No começo da década de 1970, os homens eram ensinados a valorizar a necessidade sexual da mulher, e estender isso a todas as outras áreas do relacionamento. Hoje, eles entendem que precisam se dedicar ao relacionamento afetivo e desenvolver habilidades para manter a relação“, finaliza Cuschnir.