Marie Claire por Fernanda Dannemann e Marisa Adán Gil – outubro /2002
O psicoterapeuta Luiz Cuschnir, autor do livro “Bastidores do Amor” (Editora Alegro), fala sobre amor, dor, raiva e perdão. “Perdoar alivia, diminui o sofrimento e melhora a qualidade de vida”, diz. “Mas algumas coisas são imperdoáveis. É preciso respeitar os limites de cada um”.
Marie Claire: O que significa perdoar?
Luiz Cuschnir: Perdoar é caminhar através da dor. é aprender a conviver com o imperfeito e aceitar o outro como ele é: um ser humano e não divino, alguém que pode pisar na bola, pode não cumprir o que se espera dele. Para perdoar, é fundamental enxergar o outro como um todo. é preciso separar o erro que foi cometido daquilo que é maior naquela pessoa. Ele cometeu um erro, não é o erro.
Marie Claire: Por que tem gente que não consegue perdoar?
Luiz Cuschnir: Capacidade de perdoar não é um talento nato, é uma coisa que você desenvolve ao longo da vida. Quanto mais madura a pessoa é, mais capacidade ela tem de perdoar. As pessoas amadurecidas toleram mais, entendem mais o que é um relacionamento, o que pode esperar da outra pessoa. Quem nunca perdoa com certeza está sofrendo. Deve ter uma série de situações no passado que não conseguiu resolver. Com o tempo, foi ficando dura, inflexível. é preciso se exercitar para manter a capacidade de perdoar.
Marie Claire: O perdão é importante para o bem-estar mental?
Luiz Cuschnir: Sim. Perdão tem a ver com qualidade de vida, com estabilidade emocional. Tem gente que não perdoa e continua remoendo a situação por muito tempo, mesmo quando o outro já mudou de vida, ou nem está mais aqui. Essas pessoas colocam no outro a culpa por toda a sua infelicidade. Isso ocorre muito: a pessoa cria um algoz, um seqüestrador, alguém que é a causa do seu sofrimento. Se conseguir perdoar, sai do cativeiro.
Marie Claire: Existem passos para chegar ao perdão?
Luiz Cuschnir: Um dos exercícios mais importantes é se colocar no lugar do outro. No caso de uma traição, por exemplo, a mulher pode tentar se colocar no lugar do marido e ver o que aconteceu pela perspectiva dele. Pode ser que tenha sido um deslize, um impulso, uma outra necessidade que ele foi suprir. O que aconteceu pode ter a ver com a história anterior dele, com a mãe, com o pai, com outras relações amorosas, com desejos inconscientes, coisas que às vezes nem o outro entende. Outra coisa importante nesse exercício é perceber como o outro está te vendo. Com certeza você está se sentindo traída, mas é possível que ele também esteja. Entender isso pode ajudar no processo.
Marie Claire: Às vezes a pessoa não perdoa porque, quando olha para o outro, só enxerga dor.
Luiz Cuschnir: Esse é o problema. Se tudo que ela enxerga no outro é dor, é porque a dor é dela. A atitude do outro pode ter reavivado essa dor, mas o sentimento sempre esteve ali. Conheço várias pessoas que puderam perdoar porque localizaram a origem daquela mágoa. Daí entenderam como essa dor chegou e se instalou com tanta força.
Marie Claire: é necessário perdoar sempre?
Luiz Cuschnir: Não. Algumas religiões defendem isso, mas eu não penso assim. Como médico, eu tenho um compromisso com a vida. A autopreservação é o mais importante. Quem perdoa o tempo todo, sem parar, pode provocar um estado de humilhação prejudicial à sua auto-estima. Antes de mais nada, qualquer pessoa tem que se respeitar como um ser humano. Existem coisas que são imperdoáveis, e elas são diferentes para cada pessoa. é preciso respeitar esses limites.
Marie Claire: O perdão pode ser só interno ou precisa ser colocado para fora?
Luiz Cuschnir: Existem situações em que é preciso externar o perdão. Se você não diz que perdoou, o outro pode continuar se sentindo culpado, e fica difícil restabelecer o vínculo. Em outras situações, quando não existe chance de reconciliação, o perdão não precisa ser externado. A pessoa pode elaborar a situação e perdoar apenas internamente. Na hora que perdoa, sente um alívio que tem a ver com ela, não com o outro. é como se tomasse um banho. E aí pode tocar a sua vida de um jeito melhor.