FEBRAP – Federação Brasileira de Psicodrama
Escrever algo sobre JL Moreno é como falar de como foi o início de minha vida adulta. Hoje não dá mais para definir o que sou, sem dizer o que aconteceu comigo naquele tempo. Eu terminara a Faculdade de Medicina em Santos, já fazia terapia e formação psicodramática e um colega me indicou o Instituto Moreno como uma maneira de entender mais do Psicodrama, que tanto me fascinava, ao mesmo tempo que inquietava.
Depois de tudo arrumado com Beacon e de alguns arranjos com a família (eu despenderia um valor bem elevado para a época), lá fui eu para o World Center of Psychodrama. A chegada foi inesquecível. Eu, no rigorosíssimo inverno de 1973, em uma estação de trem que parecia mais uma parada no meio do nada… Tudo isso foi compensado pelos momentos de viver o Psicodrama de uma maneira tão intensa e sociodramática. Fui conhecer Moreno logo no dia seguinte à minha chegada, na casa onde moravam os três: Zerka, Jonathan e ele. Já tinham iniciado o período de treinamento e lá estava eu com três sessões de Psicodrama por dia, sete dias por semana, com folga apenas nas noites de domingo. Uma maratona psicodramática sempre regada com uma enorme cesta de guloseimas “americanas” para nos dar energia para o trabalho.
Tudo girava em torno do “Doctor”, como assim chamavam esse homem simpático, com voz forte, grande contador de histórias, interessado não só nas mulheres bonitas e jovens, mas também no que ocorria na nossa residência de estudantes. E ele sabia de tudo o que fazíamos lá. Na época ele já não saia de sua casa e acompanhávamos o que acontecia por Zerka, quando ela vinha fazer seus Psicodramas no teatro onde trabalhávamos todos os dias. Todos passavam por todos os papéis (protagonista, diretor, egoauxiliar e platéia). Ela comandava o treinamento e tinha Ann Hale como substituta num dos períodos do dia. Com o Jon, como chamavam o Jonathan, eu tinha minhas conversas típicas de dois adolescentes, pois estávamos na mesma fase de vida.
Não me esquecerei de duas noites: um Thanksgiving onde sentamos ao redor da mesa deles para ouvirmos temas ligados a religião e Psicodrama, e outro quando preparamos um jantar para ele, na nossa casa dos estudantes, onde formávamos um grupo vindo dos vários cantos do mundo. Preparamos uma grande mesa e ele entrou com seu terno branco como a neve que estava fora. Visivelmente contente, se sentou na cabeceira e se criou a última cena que Moreno saía da sua casa. Tudo transcorreu com a maior pompa, como se estivéssemos ceiando excelentes iguarias, quando na verdade era a mesma comida intragável de todos os dias.
Algum tempo depois, de volta às aulas na Sociedade de Psicodrama de São Paulo, alguém me conta nos corredores que ele havia morrido. Reabriu um buraco dentro de mim – meu pai também tinha morrido pouco tempo antes. Nos dias subsequëntes recebo uma carta da Zerka com quem me correspondia, contando o que tinha ocorrido. Relatou-me como haviam sido seus últimos dias, lembrou daquele jantar que tinha sido a última vez que saiu de casa e como ele havia sido pranteado: espalharam suas cinzas no jardim daquela propriedade em Beacon, “Upstate the Hudson River”, e escreveram uma lápide: “Aqui jaz o homem que levou a alegria para a Psiquiatria”. Com aperto no coração, é a justa homenagem, de todos nós, para o inesquecível Jacob Levi Moreno, que se foi há 37 anos.