Concedida a Carla Hosoi- Revista IG – 11/2011
Revista IG: O que vc acha desse depoimento do Justus: não acordo de madrugada porque não amamento, mas isso não me faz menos pai. É um pensamento que prevalece ainda? Faz sentido ainda pensar assim?
Luiz Cuschnir: Há fases diferentes quando falamos de homens mais jovens e mais velhos, assim como de homens com os primeiros filhos e outros com outros mais velhos. Isso sem falar da educação e paradigmas vigentes nessa época ou diferença de idade dos cônjuges. O que devemos ter em mente é que o aspecto que mais modificou os paradigmas masculinos foi uma maior interação e desenvolvimento no seu papel de pai. De qualquer forma, a ligação que um pai estabelece com seu filho também depende do grau de maturidade que ele tem para estabelecer a importância da relação pai-filho. Nem sempre é pela ação física do amamentar que se estabelece esta importância da sua presença mas pelo contato constante que inicia a ligação emocional com este filho.
Revista IG: Como, na sua opinião, os pais estão lidando com a paternidade? De que maneira eles estão exercendo-a desde cedo?
Luiz Cuschnir: Eles não se vêem alheios nem dispensáveis no contato com eles já que evidenciam aspectos da vida do ponto de vista masculino, que é muito bom como formação integral dele. Já se foi o pai que só trazia o dinheiro para casa, quase não via o crescimento dos filhos, sem saber sobre sua saúde e escolaridade. Os pais estão cada vez interferindo mais nas escolhas que o casal faz para educar e mostrar ao filho o mundo.
Revista IG: Por que é ou não tão fundamental a participação dos pais nos cuidados e na divisão de tarefas em casa? Isso favorece o quê?
Luiz Cuschnir: Não é fundamental mostrar o pai cuidando da casa como é cuidando do filho. Na verdade, com a mulher sendo exigida no mercado de trabalho de uma maneira tão intensa, sobra pouco para ela mesma se envolver diretamente nisso. Deve-se levar em conta o tempo que ele tem disponível para estar com os filhos e se este tempo é exíguo, deve ser até privilegiado esse contato do que o filho ficar longe do pai que se envolve em tarefas domésticas. Como a mulher tem mais ascendência e contato mais constante com os filhos, nesse quesito da forma como você colocou, ela deve insistir que ele cuide dos filhos. É claro que atitudes como colocar essa atividade doméstica como “coisa de mulher” traz uma distorção que hoje já não cabe mais.
Revista IG: Um pai divide esses cuidados com a esposa, que participa ativamente principalmente quando o filho ainda é bebê fortalece vínculos com o filho? Ou, psicologicamente falando, a participação ou não nessa fase inicial não faz tanta diferença?
Luiz Cuschnir: Quanto mais cresce o filho, mais facilidade e muitas vezes natural é o envolvimento do pai, que necessita de um retorno do filho para estabelecer o sentido do seu contato com ele. É muito bom para o filho ter um contato precoce com o pai, pois vai se acostumando com o jeito dele masculino de ser. Isso também prepara mais precocemente o pai para esse encontro que estrutura aquele relacionamento em seu universo afetivo.
Revista IG: Os pais se vinculam mais “ao que o filho vai lembrar” do que as mães? Isso é muitas vezes uma desculpa para se omitirem em diversas tarefas?
Luiz Cuschnir: Na realidade não se sabe ao certo quanto ele vai lembrar. É muito comum mães repetirem tanto o que fizeram pelos filhos para eles, que é isso que vão lembrar. Homens tendem a não estimular tanto essa memória. Esse tipo de desculpa é pouco relevante como motivo para não se envolverem. Se essa desculpa existe deve ter algum fundamento na vida dele anterior ou no próprio relacionamento com a mulher. A realidade é que filhos tendem a valorizar mais o quanto a mãe cuidou deles do que o quanto o pai o fez.
Revista IG: Como vc acha que os pais podem ajudar nesses primeiros cuidados? E porque vc acha que eles devem fazer isso? Ou vc acha que depende apenas do arranjo familiar estabelecido (quero dizer, que se a mãe não reclama, melhor nem estimular outro esquema)?
Luiz Cuschnir: O universo masculino tende a ser prático e mais objetivo, procurando resultados mais a curto prazo do que como a mulher vê a educação de um filho. Se ele não tem consciência da sua importância, deve ser orientado e valorizado, principalmente pela mulher. Sabemos que a vida profissional tende a não valorizar isso como o faz com a mulher que é colocada como natural. Há também mulheres que desvalorizam o homem que tenta ou que toma atitudes de acordo com sua percepção do momento. Isso pode desestimulá-lo e confirmá-lo no lugar do “dispensável”. A mãe que estimula para provar que ele não sabe, pode propiciar a desvalorização do pai que tem grande influência no respeito que o filho tiver por ele.
Revista IG: Na sua opinião, mesmo as mães que não requisitam a ajuda de seus maridos, gostariam que os pais fossem mais solícitos?
Luiz Cuschnir: Sim, a mãe sempre tem o desejo de compartilhar a responsabilidade e o trabalho. Se ela é adequada enquanto requisita, melhor será para todos inclusive para ele que ganha a oportunidade de desenvolver sua vida afetiva. Esse desenvolvimento vai ajudá-lo de várias maneiras inclusive no relacionamento profissional. Muitas vezes esses homens têm medo de não serem capazes de atender essas necessidades, mas quando se percebem recompensados, terão mais empenho em se habilitar.
Revista IG: Várias matérias surgiram neste ano sobre “novos pais”, “nova paternidade”, enfim… vc acha que essa realidade confere? Há mesmo uma quantidade expressiva desses novos pais atualmente?
Luiz Cuschnir: Os novos pais estão construindo a nova paternidade que não existia em gerações anteriores. Alguns até tiveram a oportunidade de terem pais mais afetivos ou até mais presentes, mas sempre com uma consideração menor que a da mãe. Com essa mudança de atitude, a sociedade absorve esses conceitos e passa a discuti-los mais. Não é só na mídia que isso ocorre. Hoje os homens discutem esse assunto nas suas rodas de homens e passam a criar um novo conhecimento e sentirem-se reconhecidos por isso.
No Gender Group® do Instituto de Psiquiatria do HC da Faculdade de Medicina da USP, que chefio e acompanho a evolução do homem contemporâneo, atende em psicoterapias essas questões. Há uma sessão padrão que usamos que aborda como o homem passa os seus valores para um filho ou uma filha. É muito interessante fazê-los refletir ao mesmo tempo sobre o que é ser homem e como vão transmitir isso aos seus filhos.
Revista IG: As mães ainda centralizam esses cuidados? É cultural ou natural isso acontecer?
Luiz Cuschnir: Como a mãe tem esse preparo durante a gravidez e passa a se envolver pela própria necessidade de manter o contato físico com o seu bebê, a presença do pai é sempre de um terceiro. A cultura também valoriza a mulher que faz essa função e culpa a que não faz. Ainda existe muito espaço para caminhar para uma igualdade de reconhecimento da importância do papel paterno na formação afetiva de um filho.