Concedida ao Diário da Região – São José do Rio Preto – SP
Ciça Bueno: Existem almas gêmeas?
Luiz Cuschnir: Existem sim, mas vamos refletir um pouco sobre esta velha crença?
Ciça Bueno: Primeiramente, de onde vem este conceito tão popular há tantos séculos?
Luiz Cuschnir: Na Grécia Antiga, relata Platão em sua obra “O Banquete” – dedicada inteiramente à apologia do amor -, que Aristófanes, um dos convidados para a ceia, relata que a natureza humana original era composta de três tipos diferentes de seres: os homens, as mulheres e um terceiro gênero, o andrógino, composto de metade masculina e metade feminina. Tais seres possuíam uma forma esférica, quatro mãos e quatro pernas, duas faces absolutamente idênticas e opostas uma à outra, ligadas a um pescoço arredondado, com as costas e costelas unidas, um único crânio e as partes genitais duplicadas. Podiam passear por onde quisessem de forma ereta como hoje e quando sentiam necessidade de correr, procediam como os equilibristas, formando uma grande roda e girando como uma estrela com seus oito membros. Por isso mesmo, eram muito vigorosos e possuíam uma força terrível. Certa vez, empreenderam uma investida contra os deuses do Olimpo e começaram a subir até o céu para atacar os divinos. Zeus, o Deus supremo, após muito pensar em como lhes enfrentar, resolveu cortá-los ao meio não apenas para enfraquecê-los, mas também para utiliza-los futuramente na raça humana. Uma vez realizada a divisão da natureza humana, eis que cada metade desejando a outra, a procurava e, os pares, estendendo os braços agarrando-se no desejo de se reunirem, morriam de fome e também de preguiça pois assim separados, não queriam fazer nada. Compadecido, Zeus deslocou-lhes o sexo para frente para que pudessem se reproduzir entre si. Esta união fecunda propagaria a raça dos homens. E de fato, desde então, o amor mútuo é inato entre os humanos que recompõem a sua essência primitiva, buscando a sua metade complementar e tentando curar desta forma, a natureza humana ferida. Por isso, vivemos sempre procurando nossa alma gêmea, nossa cara-metade, nossa outra metade da laranja, como se ela estivesse prontinha em algum lugar, apenas esperando por nós. Mas…em pleno ano 2004, será que não é preciso refletir sobre o tema e perceber que esta crença já não nos serve mais? A maneira como nos referimos à “alma gêmea” é sempre na hipótese de encontrarmos alguém e de este amor já estar totalmente pronto para ser vivido. Idealizamos alguém que se encaixe tão perfeitamente conosco, a ponto de não restar mais nada a fazer para que esse amor dê certo. Esta alma gêmea não existe. Ou pelo menos não existe mais nos nossos tempos. é claro que qualquer dupla de pessoas que se atraiam, tem condição de viver um amor a ponto de se tornar alma gêmea um do outro, desde que queiram. Mas hoje em dia, este sentimento tem que ser construído a dois. O prazer de amar está em poder expressar o amor e os sentimentos de forma espontânea. O prazer de amar está em encontrar um outro que nos respeite e nos aceite como somos. O prazer de amar está em amar o outro como ele é, em aceita-lo como é, sem querer transforma-lo. A partir daí, a relação vai sendo construída, com cada um se transformando voluntariamente para se tornar mais e mais amável aos olhos do outro. Porém, para “se acasalar” com alguém ou com a “nossa alma gêmea”, é preciso ter consciência de que devemos encontrar a alma gêmea que existe dentro de nós mesmos pois, conforme diz o mito, temos a plena sensação de sermos um todo completo, formado de duas partes, desde as nossas origens. E somos mesmo. Dentro de nós mora um lado masculino, espiritual, expressivo e intuitivo e, um lado feminino, sentimental, emocional e passivo, que devem se encontrar e “se casar” primariamente. Se esse casal não se encontrar internamente ou seja se a alma e o espírito não estiverem em harmonia e em troca, então não se atrairá isto para a própria vida. Porque só conseguimos atrair para nossa vida o que já mora dentro de nós. Ou seja, primeiramente devo me conhecer, me amar e me respeitar para que depois alguém possa fazer o mesmo por mim. é a isso que chamamos auto-estima ou auto-valor. Só assim estaremos prontos para atrair para a nossa vida, alguém com o mesmo padrão de harmonia e amor que vivemos internamente e esta dupla de seres humanos terá a satisfação de construir um amor no qual possam se tornar almas gêmeas. Outro aspecto importante de lembrar é que até poucas décadas atrás, só vivíamos “uma vida” ou um amor em toda a vida. Se desse certo muito que bem, mas se não desse, éramos obrigados a suportar aquela relação pelo resto da vida. Hoje em dia não é mais assim. Vivemos num tempo em que tudo muda tão rápido, que cada um de nós tem a possibilidade de viver várias vidas numa só ou várias relações ao longo da vida. Sobretudo porque podemos nos transformar. Isso não era possível até bem pouco tempo atrás. Mas desde a descoberta de Plutão, o planeta da transformação, em 1930, a consciência humana passou a se questionar e a desejar viver com mais lucidez, transformando-se sempre, para se tornar um ser humano melhor. Se você não se satisfaz com o lugar onde mora, você muda; se você não gosta de sua profissão ou do seu emprego, você muda; se você não consegue desenvolver um amor genuíno e prazeiroso com alguém, você também pode mudar de companheiro. E é claro que a troca freqüente de parceiros também dificulta a maturidade de uma relação para que os envolvidos cheguem ao ponto de se tornarem almas gêmeas. Talvez devêssemos refletir mais antes de sair por aí trocando de parceiro a três por quatro, se não somos nós mesmos que estamos precisando mudar de atitude, ou fazer uma transformação, admitir que somos difíceis de conviver ou que temos muito orgulho, vaidade ou inflexibilidade e que ninguém é obrigado a nos agüentar assim tão pouco amáveis. Se ficarmos esperando que o outro nos ame, nos valorize e nos diga quem somos nós, as chances dessa relação não dar certo são imensas: se nós não nos valorizamos, se nós não nos estimamos, se nós não nos amamos, não nos conhecemos e não nos respeitamos, como é que podemos querer que alguém o faça? E se o parceiro não fizer o mesmo, vai-se abrindo uma brecha, um abismo entre as duas pessoas e a relação pode murchar em função deste descompasso no desenvolvimento de cada um. Aí somos obrigados a partir, em busca de uma nova fonte de troca. Portanto, almas podem se encontrar sim e se tornarem “gêmeas” durante a relação. Como pode acontecer ao contrário de duas pessoas que são almas gêmeas se encontrarem e porem tudo a perder por sua imaturidade, excesso de individualismo, vaidade, ignorância…