Encontros – Revista da Unilever 24/11/2009
Revista Encontros: A relação do homem com a beleza e o corpo vem mudando recentemente? De que maneira?
Luiz Cuschnir: A grande mudança aparece quando o homem se percebe mais livre em relação às suas emoções e descobre diversos caminhos que podem completá-lo como pessoa. Ele passa a admitir o que sente em relação aos outros, mesmo que não consiga expressar-se tão facilmente. O arcabouço do que sente, onde se aloja o que sente, é o corpo. Nem sempre ele está pronto para fazer esta ligação do corpo para o sentimento. Assim que passa a percebê-lo mais, se estiver em um estado de boa autoestima, também cuidará melhor deste corpo. Aos poucos se aproxima do próprio corpo até aceitar cuidar do mesmo. Com relação a beleza, já temos conceitos relativos pois sabemos que o que é para um, pode não ser para o outro. Homens têm parâmetros distintos das mulheres para este quesito. Se o homem gosta de si, é muito possível que ele se ache bonito. Se assim for, terá um maior prazer em cuidar, então estamos diante de uma díade em relação ao físico: quanto mais gosta e tem admiração própria, mais cuida de si mesmo. Mas não precisa se achar bonito para se cuidar.
Revista Encontros:Como a Unilever está completando 80 anos, gostaríamos de ter um panorama de como era a relação do homem com o corpo e com a beleza há 80 anos em comparação com o presente.
Luiz Cuschnir: As mudanças foram ocorrendo muito lentamente antes do advento do feminismo, movimento de liberação e confirmação da mulher. Ocorreram gradativamente em diversas partes do mundo no século passado. Movimentos dispersos se configuraram como grandes conquistas e ao mesmo tempo, em diversos países se instalaram culturas com transformações do papel da mulher em diversos ambientes da sociedade. Tivemos no início do século passado os primeiro passos aqui no Brasil com a entrada das mulheres no ambiente de ensino e na formação profissional, e depois o direito ao voto. Já nas últimas décadas deste mesmo século, já tínhamos vozes importantes acenando para novos tempos da relação homem/mulher. Isso vai se estendendo e fortalecendo até elas saírem do seu local usual (doméstico/privado) e compor uma força de trabalho e posição econômica e intelectual ativa e importante nos diversos campos. Daí aparece a transformação do ambiente privado, isto é da estrutura da família. Atinge a maternidade e, por conseguinte a paternidade. Este percurso atinge em cheio o homem que precisa se ampliar na maneira que se vê, passa a se sentir livre para olhar para si. é solicitado para se apresentar melhor para a sociedade como um todo senão vai perder espaços nas suas conquistas. O que antes estava completamente ofuscado pelo trabalho e dinheiro, hoje passa a dar um lugar para o físico e a apresentação pessoal. A beleza como falei, para o homem sem padrões estritos e pré-determinados, passa a ser alvo de interesse dos homens. Não se pensaria em aproximar masculinidade com o corpo e beleza há 80 anos. Seriam conceitos totalmente díspares.
Revista Encontros: Como o senhor descreveria o homem de hoje em relação aos cuidados com o corpo? O homem de hoje se sente mais confortável em relação a seu corpo?
Luiz Cuschnir: Os cuidados com o corpo estão vinculados aos cuidados com a saúde e a necessária socialização de todos. Não se vive isoladamente, a não ser no mundo virtual. Os relacionamentos impõem certas atitudes, incluindo os cuidados que cada um tem consigo mesmo. Na cultura atual, ter o foco de apresentar-se bem para atingir os seus objetivos, levando em conta o que os outros percebem dele, é uma necessidade e não mais uma vergonha.Em décadas atrás, precisava fazer isso de uma maneira escondida, podendo atingir a sua noção de masculinidade. Agora, admitir e vivenciar este cuidado, sem precisar esconder totalmente, propicia uma situação mais confortável consigo mesmo.
Revista Encontros: O homem de hoje tem mais facilidade para exprimir os sentimentos? Como o senhor descreveria o homem de hoje em relação a isso?
Luiz Cuschnir: Ele foi aprendendo a se soltar. Isso não significa somente chorar. O choro é só um exemplo de manifestação da sensibilidade, do que está sentindo, da expressão do que ocorre muitas vezes dentro dele e não coloca para fora. Como ele está cada vez mais aprendendo outras maneiras de expor a masculinidade pois a comunicação entre eles está cada vez maior, também se permite experimentar a sua mais genuína, verdadeira. é claro que sofre entraves. Um deles é das próprias mulheres que se sentem inseguras com expressões que para elas geram dúvidas sobre a masculinidade deles. Mesmo hoje, homens que ficam muito tempo sozinhos, sem um relacionamento estável, são passíveis de comentários delas de que ele deve ser homossexual. Para elas, homem que é homem, tem que estar sempre com mulheres à tira-colo, ou pelo menos uma estável com quem esteja se relacionando. Quem os sinaliza são elas. Enfim, os homens estão se aceitando mais como são. Aprendem, desaprendem, começam e terminam relacionamentos, se envolvem e desistem de relações de acordo com seu momento pessoal. Muitas vezes sabem o que sentem mas não desejam compartilhar, ou porque não confiam na mulher, ou porque não querem iniciar longas argumentações a respeito do que declaram.
Revista Encontros: O homem de hoje se sente mais confortável em relação à sexualidade e à beleza? Ele não tem medo de ser chamado de “metrossexual”?
Luiz Cuschnir: Sexualidade sempre será uma sombra para o homem se aquilatar e se confirmar. Não descansa enquanto não estiver quites com a vida sexual que deseja ter. A beleza nem sempre é um parâmetro a ser atingido. Homem tem conceitos de beleza muito mais amplos que as mulheres. Ele pode invejar algo que o outro tem, localizar anseios e se comparar a outro homem, mas é mais difícil que se sinta completamente feio. Esse termo “metrossexual” está estigmatizado como o exagero do homem vaidoso. Os homens mesmo mais confortáveis do que antigamente, ainda disfarçam o quanto se preocupam esteticamente e se exageram passam por egoístas e narcisistas. Há indicações de que são homens com muitas dificuldades de fazerem vínculos afetivos profundos e se entregarem em um relacionamento amoroso. Acompanho isso no meu consultório em psicoterapias tanto com os homens quanto com as mulheres como suas companheiras. Exagerados, se sentem pouco motivados em um relacionamento e elas dizem são muito distantes.
Revista Encontros: Como o senhor descreveria o homem de hoje em relação à companheira? Ele tem medo de “ficar pra trás” em relação à beleza, à juventude?
Luiz Cuschnir: O homem tem cada vez mais levado em consideração o seu relacionamento afetivo. Valoriza quando tem uma companheira estável e investe para manter um bom relacionamento. Não quer perdê-lo tão facilmente. Por outro lado, quando está sozinho sabe que tem muitas chances para realizar escolhas e é extremamente seletivo. Quanto mais seguro de si, mais seletivo será em relação à mulher que escolher para se aproximar. A beleza não tem como referência a mulher. Como falei, os critérios que ele utiliza para beleza são bem menos estéticos e sociais que os que ela usa. Para ele, a própria força conta mais que a beleza. A força não necessariamente é músculo mas sim a sensação e expressão da energia masculina. Quanto à juventude, se a diferença com a mulher é muito grande, pode interferir, já que ele quer ser aceito e receia ser comparado aos da idade dela. Mas se não existe este degrau tão alto em relação a ela, o homem estará se comparando mais com os outros homens que são mais jovens e não as mulheres.
Revista Encontros: Existe uma relação entre vaidade x qualidade de vida do homem? Por que e como a vaidade é importante para bem-estar do homem?
Luiz Cuschnir: Vaidade tem a ver com o olhar para si e se cuidar. Antigamente era pejorativo. Hoje pode ser visto como um ato de preservação. A qualidade de vida vai pelo mesmo caminho só que mais conceitual, menos física e estética. Quando ambos caminham juntos, e de uma maneira equilibrada, indicam um caminho para um amadurecimento consciente que propicia um bem estar ao longo da vida. A vaidade como o contraponto do desmazelo, do abandono, passa a ser uma noção de auto preservação.