Um novo olhar

Entrevista para Adriana Marmo, da Revista Claudia – novembro /2013

“Especialista nas razões que ainda detonam a velha guerra dos sexos e nos fatores que podem selar a paz, o psiquiatra Luiz Cuschnir diz que é preciso se livrar de estereótipos para entender o homem de hoje, se comunicar melhor com ele e desfrutar uma parceria plena”

Sim, eles ainda amam futebol e sair sozinhos com os amigos, assim como nunca deixaram de detestar uma DR (a famosa discussão da relação)ou qualquer debate que envolva emoções. No entanto, apesar de em muitos pontos eles continuarem os mesmos de sempre, os homens mudaram em vários aspectos primordiais nos últimos 20 anos. Em geral, hoje eles são pais mais presentes e não estranham nem um pouco ser chefiados por mulher. No sexo, dão agora mais espaço aos sentimentos e descobriram que também têm direito àquela “dor de cabeça” em certas noites. As constatações estão no recém-lançado “Por Dentro da Cabeça dos Homens” (Academia/Editora Planeta), décimo livro do psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir, especialista em questões de gênero que soma mais de 40 anos de experiência em consultório e também atua como supervisor no Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo. Nesta entrevista, ele dá pistas valiosas de como entender melhor o parceiro e manter a harmonia a dois. Para começar, esqueça de vez a ideia de que eles são todos iguais. “A primeira boa atitude é deixar os estereótipos de lado”, diz “Depois, é preciso falar menos e se comunicar mais”.

Você acha que o homem mudou significativamente nos últimos anos? E como ele é hoje?

Com certeza, o homem passou por algumas transformações, especialmente externas, mas ainda existem questões internas muito arraigadas, que continuam exatamente as mesmas do passado. Eu me lembro de que, quando comecei a atender grupos de homens, em 1990, havia um paciente que trabalhava em horários alternativos e tinha tempo para ir ao playground do prédio com os filhos, mas não ia, porque, além de sentir-se incomodado por estar só entre tantas mulheres, temia ser julgado vagabundo. Hoje, no período da manhã, recebi um paciente que também tem expediente flexível e poderia, por exemplo, ir à academia de ginástica no meio da tarde. E ele não vai pela mesma razão do paciente lá do começo dos 1990. De qualquer maneira, vejo grandes mudanças na relação que eles têm com os filhos e o trabalho.

Como você descreveria esse novo pai?

Hoje há uma consciência absurda se compararmos a 30 ou 40 anos atrás. A relação com os filhos agora faz, de fato, parte da agenda masculina, a física e a emocional. Isso é tema das conversas com os amigos. Conheço homens jovens de 30 e poucos anos que estão claramente se preparando para ser pai. Eles buscam casamento e se organizam para participar ao máximo da vida do filho. Em muitos casos, a mulher é quase uma intermediária para realizar o sonho da paternidade. Sinto que muitos estão mais preparados para ter filhos do que uma esposa.

E no trabalho, o que mudou?

A divisão desse espaço com as mulheres já foi muito bem absorvida por eles nos três níveis hierárquicos – ele como subalterno, competindo diretamente ou chefiando. É provável que, se pudesse, ele talvez não escolhesse ser comandado por uma mulher, mas a respeita.

E no campo das relações amorosas, a traição ainda continua a ser um dos maiores dramas?

O maior problema do homem de hoje nessa área não é a traição. Na verdade, esse é o maior problema que a mulher acha que tem com o companheiro. Mas a questão principal é outra: o homem não se entrega a ela de verdade, o que a deixa aflita. A maior traição masculina não é sair com outra, mas é ele não se entregar àquela mulher. É isso que a angustia. Só que tem mais coisas aí: para o homem, uma traição não significa que ele deixou de amar, como pensam muitas mulheres. O homem sempre priorizará aquela relação que se estabelece baseada no amor. Se ele tem um grande nível de compromisso, quando ele sai com outra, é como se fosse uma simples ida ao parque de diversões. Para ele, aquilo é um mundo à parte, não tem significado nenhum.

Vale uma lógica semelhante para não implicar com os amigos, a turma do futebol ou do bar?

Exatamente. Muitas mulheres ainda enxergam os amigos dele como inimigos. O prazer em encontrar os caras ás vezes nem é para aprontar nada e, na maioria dos casos, não aprontam mesmo. Ele gosta é da convivência com outros homens porque é onde ele se reconhece, onde se encontra consigo mesmo e com a própria história. Muitos se perdem na relação com a mulher e acabam vivendo somente o mundo do feminino. Esse encontro com os amigos não compete com a relação que ele tem. É um resgate que os homens precisam fazer.

Algo mudou na relação que o homem tem com os amigos ou tudo continua igual no “clube do Bolinha”?

Os homens continuam sozinhos. Em geral, eles têm pouca ou nenhuma facilidade de fazer confidências em uma roda, como as mulheres. Repare como ele não sabe telefonar para um amigo se não for por motivo objetivo, como marcar um encontro ou pegar um endereço. Nisso, os homens não mudaram. O que acaba acontecendo é que eles vão se isolando cada vez mais e se escondendo atrás da família. Aí, se não têm mais a família, eles se deprimem. Junto com a família que se foi, perdem a capacidade de sair de casa, ter uma vida social e se divertir.

Como explica esse comportamento solitário dos homens?

Se eu tivesse que escolher uma palavra para traduzir o homem, seria vergonha. Mesmo os mais conquistadores ou vencedores não conseguem se confrontar com o que vivem internamente. Eles são grandes atores. Alguns, aliás, nem atores são e acabam se introvertendo mesmo. Mas, por mais arrojado que seja socialmente, nenhum homem mostra o que ele é, o que pensa e o que sente.

De onde vem isso?

O homem vai construindo essa vergonha em função de tudo o que ele vê nos outros e que ele não é ou não tem. É como se fosse colecionando uma série de insucessos: “Não sou tão forte, tão rico, nem transo tanto quanto os outros que vejo”. Para compensar, ele vai moldando a casca de uma pessoa que ele não é – e, para sustentá-la, esconde tudo o que ele é. Então, mesmo nas relações entre homens, ele não abre o que existe lá dentro da sua intimidade, não mostra suas impotências e seus medos.

E isso também acontece em relação às mulheres?

Sim, é como se ele colocasse em uma planilha de Excel tudo o que a mulher avalia dele e dos outros homens. Aí, ele faz a comparação e às vezes conclui que não é capaz de atender a toda aquela demanda. Já sabe que não pode dar tudo o que aquela mulher deseja. Afinal, pelo menos na cabeça dele, ela espera algo que ele não é.

Como é a mulher dos sonhos desse novo homem?

Ele não quer mais “carregar” uma mulher que não tenha um preparo ou dependa dele. A expectativa é por uma companheira com capacidades, que traga o mundo para ele, e não apenas o que está acontecendo na novela. O desejo é por uma mulher que também seja uma forte, tanto do ponto de vista econômico quanto emocional.

A sexualidade masculina acompanhou as transformações pelas quais passamos nos últimos anos?

Eu acho que sim, tem acompanhado. Hoje o homem conhece muito mais da própria sexualidade. Antigamente, havia a crença de que, por ter tido muitas histórias, ele já era experiente por natureza e sabia de tudo. Mas hoje se sabe que isso não é verdade. Atualmente, ouço meus pacientes descrevendo o prazer imenso que experimentam ao penetrar uma mulher e como se sentem quando os dois estão ali abraçados. Eles vêem o sexo como uma entrega mútua e uma relação de amor. Quer dizer, o homem de hoje percebe e sente mais na cama. Não é apenas a ejaculação. E o mais importante: ele agora nota que pode dizer não ao sexo, pode até sair com uma mulher e não querer transar. Essa é uma grande conquista masculina, porque ele deixa de ser refém e fica mais livre para tratar o sexo com mais sentimento.

Então, a velha “dor de cabeça” agora também vale para eles?

Sim, vale. Ao mesmo tempo, eles sofrem por saber que as mulheres estão mais livres e por se sentir cobrados para atendê-las. O homem de hoje consegue até ficar numa relação se sexo. Aliás, muitas uniões acabam não porque um dos dois – ou ambos – queira romper, mas porque não há desejo sexual e a noção de casamento está reduzida à cama.

Casamento sem sexo, isso é possível?

Acho que o casamento é algo muito sério, e ele tem grandes chances de continuar a florescer mesmo se sexo. O problema são as tantas regras criadas pela sociedade, pela cultura e pela mídia, e as pessoas acreditam mesmo nelas. É controverso o que digo, mas esse é um caminho emocional perfeitamente possível para o homem de hoje. Ele é capaz de continuar bem dentro de uma família, amando sua mulher e sem querer mudar de vida, mas acaba empurrado para fora da relação se tiver perdido o desejo sexual por ela. Ainda que o desejo de um homem por sua parceira esteja com o prazo de validade vencido, para ele não significa o fim da ligação afetiva.

É uma situação complicada para uma mulher ficar em uma relação na qual ele não se sente desejada e amada?

A questão é exatamente essa: ela não se sente amada. Na verdade, porém, não está sendo é desejada. São duas coisas muito diferentes. Sei que é difícil. Só que mais duro é um casal romper um caminho de amor pela falta de sexo. Aí, vale lembrar que amor não é sexo, é mais que isso.

Mas essa não é a maior razão de os casamentos acabarem?

Sim, porque tem os desdobramentos dessa situação. A falta de sexo cria um clima destrutivo para os dois. Claro que, se a mulher acha que não é mais amada, vai atacar, destruir o que tem de bom na relação, e o homem se sentirá cobrado. Se ele não estiver à vontade, passará a não oferecer mais o que tem de bom para dar à relação.

Qual é a maior dissonância entre os gêneros hoje?

A comunicação, que é o único meio para que os dois se conheçam melhor. Esse é o maior desafio do casal. Não me refiro somente à falta, que não é a melhor habilidade masculina, e sim ao esforço para conhecer o outro por várias formas… Tudo isso diz muito mais do que as palavras.

É o fim da DR?

É preciso desmistificar a fala, que não leva a nada. A dinâmica é sempre igual: a mulher ligada no 220, falando sem parar diante de um parceiro paralisado, que não consegue se expressar porque tem outro ritmo. Os homens não ressaltam o que fazem pelo bem de relação, pois pensam que tudo está implícito e que a mulher é capaz de perceber. Em geral, isso não ocorre.

Qual é o papel de cada um para chegar ao entendimento?

Cabe ao homem atual aceitar que não precisa ser o provedor absoluto, perder a vergonha do que ele não tem, mostrar mais o que sente e se comunicar melhor. Já a mulher, que tem mais jogo de cintura, faz as pontes entre as pessoas e espalha o novo, deve ficar mais atenta a outras formas de comunicação e não exigir demais do parceiro.

Qual é a fórmula da relação que dá certo?

O relacionamento afetivo ideal é aquele em que a mulher transforma seu homem no melhor companheiro que ele pode ser para ela. E o homem a transforma na melhor mulher que ela pode ser para ele. Quando os dois estão juntos prá valer e se estimulam para que aflore o melhor do outro, é vitória na certa!

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