Revista marie Claire – Dolores Orosco Ferreira
Entrevista concedida – 05/08/2014
Marie Claire – Quais são os principais “sintomas” do abuso emocional em uma relação conjugal?
Luiz Cuschnir – A imposição de um comportamento com uma pressão psicológica, implícita ou não, poderíamos dizer que caracteriza mais amplamente o abuso. As respostas a esse abuso vão do medo de agressões físicas, gestos, comportamentos ou palavras que desvalorizam e ameaçam o outro. A repetição disso com o desenvolvimento de dependência do outro é um sintoma típico de uma relação de abuso.
Marie Claire – Humilhação e deboche estão entre esse conjunto de sintomas?
Luiz Cuschnir – Pode sim haver esses elementos mas podem também serem permeados de doação de afeto, carinho e proteção, que confundem e estimulam a dependência.
Marie Claire – Podemos dizer que o abuso emocional em uma relação conjugal é uma espécie de bullying amoroso?
Luiz Cuschnir – No bullying há um evidente incômodo e uma impossibilidade de defesa. Não há uma participação mutua de estímulo dessa ação e sim uma coerção onde se houver chance a pessoa se livra do agressor. No abuso emocional há uma dependência mutua onde ambos então envolvidos nessa manutenção do relacionamento. Precisam um do outro para atenderem as suas necessidades, mesmo que sejam também autodestrutivas.
Marie Claire – Que tipo de danos psicológicos uma vítima de abuso emocional conjugal pode sofrer?
Luiz Cuschnir – Os danos atingem várias áreas da vida da vítima criando um campo de auto desvalorização que a impossibilita de ser plena no que faz. Pode afetar os papéis na família (de pai, de mãe por ex.), no trabalho (diminui a produtividade laboral), pode propiciar doenças físicas e como um todo, destrói a relação de amor.
Marie Claire – Uma pessoa que passa por uma relação abusiva emocionalmente, pode carregar que tipo de “sequela” para uma nova relação amorosa?
Luiz Cuschnir – Uma relação abusiva fica marcada como um trauma de relacionamento e a pessoa tende a repetir o mesmo comportamento que tinha frente ao abusador. Associa a todos relacionamentos que tenham alguma semelhança, às vezes de uma maneira imperceptível. Reage como se esse novo fosse tão ameaçador aparentemente esquecidas. Retornam quando menos se espera.
Marie Claire – Qual é o cenário mais comum em que se dá o abuso emocional costuma se dar? Quando há dependência financeira por parte da vítima (uma das partes sustenta a casa) esse tipo de abuso é mais comum?
Luiz Cuschnir – Não são todos abusos que têm a ver com o financeiro. Esse muitas vezes é usado como arma de pressão para submeter o outro, nessa área ou em outras onde o abusador queira obter vantagens. Mas há abusos que podem vir de exploração emocional do outro, até disfarçados de uma imensa dedicação e até disfarçados de subserviência. Até o papel de vítima pode ser abusador em pessoas que têm uma culpa em relação ao abusador e precisam se redimir dessa culpa.
Marie Claire – A mulher é vítima de abuso emocional com mais frequência que o homem numa relação conjugal? Em caso positivo, por que isso acontece?
Luiz Cuschnir – Não dá para dizer que é mais um do que outro. Podem sofrer esses abusos de maneiras muito diferentes quando não disfarçadas. Quando escrevi o meu livro “Bastidores do amor – sentimentos e buscas que invadem os relacionamentos” (Ed. Elsevier) há 15 anos atrás, só se falava do abuso e agressividade física do homem em relação a mulher. Criei a terminologia de sequestro emocional justamente para apontar que ele ocorre com muita frequência nas relações. O sequestrador e o sequestrado precisam um do outro. Se um está lá para cuidar do cativeiro é por ter alguém do lado de dentro, e vice versa. Se um dos dois saírem, o sequestro acaba. Descrevi isso para apontar que mulheres exerciam o seu poder autoritário dessa forma nos homens, de uma maneira disfarçada mas muito eficaz também. Já acompanhei homens que não só sofriam agressões físicas das mulheres como de sutis ou intensas chantagens delas. Ambos, independentemente de homem ou mulher, saem perdendo pois estão impedindo o crescimento do outro pela posse e repressão do potencial que alimentaria o vínculo entre os dois.
Marie Claire – O abuso emocional é uma prática difícil de ser identificada pela vítima? Por que?
Luiz Cuschnir – Como ela se mistura com a relação de amor, que inclusive aparece com uma certa dependência, ela no fica tão nítida. Essa dependência só ocorre por haver também ganhos com ela e até necessária para qualquer relacionamento amoroso. Se não houver dependência, não haverá necessidade do outro, distanciando e impedindo se desenvolver esse relacionamento.
Marie Claire – Amigos e pessoas próximas ao casal sabem identificar essa forma de abuso ou se trata de uma prática silenciosa? Para quem está de fora, o abuso é mais visível?
Luiz Cuschnir – Pode ser ou não. Quando é uma agressão assim visível, a tendência é que se perceba somente a vítima como a pessoa mais fraca mas pode haver uma estimulação da parte dela, não visível, para perpetuar a situação. É extremamente complexo e muitas vezes está sob um julgamento parcial do lado de fora. Nos meus atendimentos de consultório, vejo muito o quanto os valores de cada um justificam o que estão sendo um para o outro e mostro essa necessidade de perpetuar ambos os lados.
Marie Claire – Li um artigo sobre o tema que falava que o abusador muitas vezes usa frases como: “digo isso porque amo você” ou “quero cuidar de você” – numa tentativa de criar uma relação de dependência e “infantilizar” o parceiro. O senhor concorda? Quais são as desculpas mais comuns que o abusador usa para justificar seus atos?
Luiz Cuschnir – Pode ser para infantilizar e diminuir as chances do outro se revoltar. superiores e estimularem a sua importância na relação. Pode ser feita de uma maneira agressiva, eloquente, impositiva como de uma maneira dócil, maternal, paternal ou afetiva. Muitas vezes atinge o ponto fraco do outro e toma conta da situação, percebendo ou não que é aí que vai deter o poder.
Marie Claire – O abusador emocional costuma ter consciência da violência psicológica que está cometendo com o parceiro?
Luiz Cuschnir – Pode ter noção mas nem sempre percebe a dimensão, muito menos os meios de modificar o status quo. Muitas vezes precisam de muito tempo de trabalho psicoterapêutico para perceberem o que sofrem e o que provocam para estimular essa violência.
Marie Claire – Existe um perfil comum entre os abusadores? Podemos dizer que eles podem ter sofrido esse tipo de abuso também (por parte da família, em uma relação anterior…)
Luiz Cuschnir – Quando se fala disso, é muito comum se referir ao abuso físico. Quando é do ponto de vista emocional, pode ser bem diferente. Pessoas que viram abusos, como de pai com mãe ou de mãe com pai, podem justamente desenvolver esse papel de abusador para serem o oposto de quem foi abusado. Por exemplo exemplo homens filhos de mães abusadoras do pai, que não querem repetir o sofrimento que esse pai passou e faz o oposto com a mulher. Também as que saíram de relações abusivas, tratam a seguinte sendo abusadoras.
Marie Claire – Quando uma pessoa se dá conta de que está sendo vítima desse tipo de abuso, o que deve fazer? A relação pode mudar de alguma forma, se o casal estiver empenhado?
Luiz Cuschnir – Se dar conta já é um passo mas para ela ter estado nesse papel, mostra que existem elementos mais profundos de personalidades, história de vida, desvalorização etc. Que precisam ser fortalecidos. A mudança nem sempre é só do casal pois há o que fazer individualmente para não usar esse abuso como arma para abusar, cobrando e mantendo o outro como refém do que fez.
Marie Claire – Existe um tratamento psicológico específico para isso? Como o abusador pode se regenerar?
Luiz Cuschnir – O começo se dá quando ele entra em conflito com o que está causando de mal para o outro. Nem sempre é uma pessoa perversa irrecuperável. Pode se dar conta que está sendo destrutiva com o outro que justamente deseja construir uma relação de amor. Muitas vezes admitir isso é como admitir uma fraqueza e gera muita vergonha. Vejo um ambiente terapêutico como o lugar para acontecer essa mudanças, tanto do “aparentemente” abusador como do “aparentemente abusado”.