Concedida à editora adjunta do Caderno Domingo – BH
Mirtes Helena: São cada dia mais frequentes os lançamentos de livros sobre relacionamento homem/mulher. E parece que eles continuam desencontrados. Por que é tão difícil amar?
Luiz Cuschnir: As mudanças de paradígmas de como ser homem e ser mulher na atualidade trazem grandes transtornos para o desenvolvimento das relações amorosas. A comunicação alterada, o que cada um deseja oferecer e receber, os distúrbios provenientes de traumas de relações anteriores, aliados às distorções que isso tudo provoca para a compreensão e o desenvolvimento dos afetos, respondem amplamente essa questão. Esse é o tema subjacente nos meus últimos livros “A Relação Mulher & Homem” – Um história dos seus encontros e desencontros e “Os Bastidores do Amor”- Os sentimentos e as buscas que invadem os nossos relacionamentos e como lidar com eles.
Mirtes Helena: Há alguns anos, você quase se especializou em dar assistência aos homens que, para muitos, estavam perdidos e sem identidade diante da “nova mulher” que surgia. Você diria que os homens já se encontraram?
Luiz Cuschnir: é verdade que desde a década de 80, iniciei pesquisas formatadas especialmente para melhorar a compreensão e entendimento do universo masculino. Até então, com eu trabalho com adultos e adolescentes, percebia uma lacuna na área dos homens, um vazio no que diz respeito às suas emoções tão intensas e igualmente comprometidas. Os filhos precisando de pais mais instrumentalizados nos afetos e na comunicação destes. Já as mulheres, no afã das conquistas feministas, foram galgando cada vez mais espaço na sociedade, confirmadas nas áreas profissionais, econômicas, sexuais e intelectuais, iam deixando para trás homens despreparados para estas mudanças. Mas tudo isso foi provocando nos homens uma conscientização de que também precisavam se preparar, se ampliar, sair de um lugar arrogante, desprezando o que vinha se transformando. é inegável essa transformação. Assim como a busca de um mundo externo e interno melhor. Eles podendo se enxergar melhor, respeitam mais, refletem e consideram mais o que está a volta deles. E isso também está ocorrendo com elas. As mulheres estão bem insatisfeitas, às vezes perdidas, e em outras comprometidas com invasões dos compromissos que não conseguem dar conta.
Mirtes Helena: Como psicoterapeuta, você acha que os desencontros dos relacionamentos são, na sua base, pelas tão propaladas diferenças emocionais entre homem e mulher? Somos mesmo assim tão diferentes?
Luiz Cuschnir: Há grandes diferenças na hora de comunicar o que cada um precisa do outro e do mundo em geral. A exposição faz com que fiquem mais visíveis as necessidades além de organizar melhor o que está ocorrendo internamente em cada um. Ambos desejam um relacionamento melhor, baseado em respeito, com limites considerando a liberdade individual aliada a uma sensação de ter o outro em sua vida, acompanhando-o. O problema é a individualidade ser respeitada e ao mesmo tempo existir um envolvimento afetivo adequado que mantenha uma aproximação que nutra o desenvolvimento de ambos.
Mirtes Helena: Por que decidiu escrever “Os Bastidores do Amor”? O que o moveu?
Luiz Cuschnir: Conforme fui adentrando mais profundamente nos relacionamentos que tive a oportunidade de acompanhar como terapeuta nesses 30 e poucos anos de trabalho, senti que precisava reformular esses conceitos de que o amor só trás felicidade, que relações estáveis são as duradouras e uma série de esteriótipos de vínculos e conceitos da sociedade que só atrapalhavam a vida de tantos. Eu quis reconsiderar o amor de mães, de pais, de filhos, a relação de irmãos, as prisões que as pessoas se instalam devido ao que aprenderam desde cedo na vida. Também fiz um alerta aos leitores de como se fica refém de ser perfeito, ganhar dinheiro, ter reconhecimento através do sucesso profissional e social, em detrimento de valores essenciais, mais profundos que aquilatei como preponderantes para que cada um encontre dentro de si para uma vida melhor.
Mirtes Helena: Você diria que é mais comum do que se pensa um parceiro tratar o outro como escravo?
Luiz Cuschnir: é tão difícil tomar conta desse limite entre o excesso de humildade, que chega a humilhação, e a arrogância que invade o outro ao ponto de sequestra-lo mantendo numa escravidão. Esta pode provocar uma dependência no outro, de ser manipulado, controlado, convencendo-o de sua incapacidade de se suprir e se desenvolver sozinho. O mais importante é que há formas muito mais sutis de ocorrer isso. Não é só com argolas e chibatadas que se mantém alguém preso. Há palavras de desvalorização, instiladas com frequência, que vão convencendo o outro que ele não sbe fazer nada, que ele é incapaz, que ele não poderia viver sem este “seu senhor” ou feitor. Através do poder pessoal, do dinheiro, do status, muitos se mantém em relacionamentos aprisionados como escravos.
Mirtes Helena: Nos relacionamentos, há mais mulheres submissas do que homens? Por que? Isso é da natureza, da cultura?
Luiz Cuschnir: Mulheres muitas vezes aprendem o feminino como uma atitude exclusiva de doação, oferecer ao homem um cuidado que se mistura à subserviência. Ficam entendendo que para serem femininas, e em consequência disso serem aceitas, devem se sujeitar a um homem egoísta e desrespeitoso para com as necessidades emocionais dela. O problema é que este homem também não recebe o que de melhor esta mulher pode oferecer a ele, já que isto acaba refletindo em uma mulher pesada, infeliz, deprimida, com um empobrecimento de suas qualidades como ser humano. Uma mulher submissa não estará oferecendo para a relação afetiva o seu maior potencial, nem como cidadã, como companheira, nem como a cúmplice para o crescimento de ambos como casal.
Mirtes Helena: E você classifica essa submissão como doença? Isso deixa marcas? Tem cura?
Luiz Cuschnir: Não é geralmente doença, do ponto de vista psiquiátrico, mas pode ser sim um aspecto psicológico muito destritivo para a personalidade e carater dela. Acaba destruindo a autoestima, contamina outros papéis e funções da vida dela como um todo e vai contraindo seu potencial afetivo. Ela vai ficando uma ‘pessoa menor’, com limitações. é muito comum mulheres que conseguem se desvencilhar de relacionamentos que as comprometeram neste sentido de submissão, que descobrem-se com nvos rumos na vida, uma força interior para a realização de seus desejos, desenvolvem projetos que nunca seriam possíveis dentro de relacionamentos de submissão, sejam afetivos ou de conceituações impingidas a elas durante a sua educação e formação pessoal. Um tratamento psicoterapêutico adequado tem este fundamento: conhecer-se, fortalecer-se e mudar, transformar.
Mirtes Helena: O que faz alguém ser “doentiamente” dependente do outro?
Luiz Cuschnir: Pessoas podem precisar de um sequestrador por uma profunda insegurança. Não sabem como irão agradar, serem aceitas. Se apresentam para a relação como se não soubessem quem são, o que querem, como agir aqui a ali. Podem entrar numa fascinação por alguém, inclusive quando este alguém as reconhece e considera, algo tido como impossível em seu referencial interno afetivo – “Nunca ninguém vai gostar de mim”. Isso ela aprendeu em algum lugar, de alguém, e como falo no último livro, quem sabe de alguém que estava em sua esfera afetiva mais íntima, alguém do seu lado, de sua casa, da sua cama… Quem tem um “buraco na alma”, tenta preenche-lo com um outro, em uma relação com uma outra pessoa, coloca aí a seu conteúdo, a sua salvação. é a maior dependência possível.
Mirtes Helena: Quando se fala em violação e desrespeito, me vem à cabeça alguns discursos que preconizam tamanha individualidade entre o casal que o relacionamento quase perde o sentido de “vida a dois”. Já vi gente defendendo camas separadas, quartos separados, casas separadas… Isso seria a solução?
Luiz Cuschnir: Violar, desrespeitar está em ultrapassar os limites individuais do outro. Manter-se à distância, criando um vínculo frio, abandonador e provocando a mingua do outro, é igualmente um violência para o companheiro. Muitos casais permanecem juntos ao longo do tempo, mas totlmente destituídos de afeto, contato físico, sem convívio nem interesses em comum, mas só tarefas a serem cumpridas formalmente. Isso pode ocorrer pela vida, ao longo de muitos anos. São indivíduos que estão amortecidos – “a-morte-cidos” – com a morte emocional da relação. é uma pena pois o amor é para refletir a vida, ampliando-a como um todo.
Mirtes Helena: Além dessa escravidão a que se refere no livro, há outros lados obscuros nos relacionamentos? Quais os mais comuns?
Luiz Cuschnir: As faces ocultas do amor são tantas quantas as tranformações que vão ocorrendo em cada um, conforme se envolve no relacionamento. O outro sempre será um mistério, a ser desvendado ou não, mas que participará do convívio no desenvolvimento que cada um terá no vínculo amoroso. Estar perto do outro, envolvido com o outro, demanda ao mesmo tempo se misturar um pouco, uma parte, e ao mesmo tempo tentar manter-se íntegro, com a própria referência, em contato com a sua própria essência, de homem ou de mulher. Esses aspectos obscuros devem ser preservados, manter-se em contato consigo mesmo é o que dará a garantia de estar com um amor que não aprisiona, mas que liberta.