Entrevista concedida a Revista Gloss – dezembro/2009
1) Existe uma reclamação, um senso comum entre as mulheres, de que elas acabam tomando a dianteira em várias questões práticas da vida porque os homens são (ou estão) muito devagar. Você acredita que esse é um estereótipo do homem de hoje? E porque, em sua opinião, as mulheres estão vendo os homens desta forma?
Luiz Cuschnir: As mulheres se apresentam bem mais práticas que os homens quanto à diversidade concomitante de papéis que devem ser exercer. Assim são mais rápidas e os homens, como são mais reflexivos, tendem a demorar mais para responder ao que é necessário nessas situações. Elas os percebem lentos, pois enquanto estão executando vários papéis ao mesmo tempo, os homens tendem a organizarem prioridades de outra forma. Eles necessitam considerar outras possibilidades que podem implicar em resultados diferentes, mas aí levam mais tempo para responder às demandas.
2) Numa entrevista que você deu à Revista Veja no ano 2000, você diz que os homens se tornaram o sexo frágil e que eles estão perdidos, atordoados com a independência feminina. Isso ainda vale para os dias de hoje? Eles estão obcecados com a realização profissional porque se sentem ameaçados pelas mulheres, pela entrada maciça delas no mercado de trabalho? Ou não é isso? Eles ainda hoje não aceitam tomar conta da cozinha, limpar o banheiro e organizar a compra do supermercado? E porque não?
Luiz Cuschnir: Não vejo que o homem contemporâneo é o sexo frágil. Estamos em novos tempos, nova década e com novas perspectivas para a relação homem/mulher. Ele não está perdido nem atordoado. Iniciei meus estudos e pesquisas no final dos anos 80. Quando se instalou o Masculismo (termo que cunhei na língua portuguesa na minha tese “Masculismo, um estudo através do Gender Group®” que apresentei em 1998 depois na Faculdade de Medicina da USP), tínhamos um homem estagnado, mas com várias questões a desenvolver em relação a sua condição emocional na sociedade. No advento do Feminismo (mais flagrante no Brasil a partir da década de 70), o homem imobilizado num primeiro momento, enrijecido em conceitos tidos como machistas. A partir destes anos 80, incomodado, se preparou para a diversidade de papéis que também precisava exercer. A obsessão perante o papel profissional sempre foi uma característica masculina e que está diretamente vinculada a confirmação da masculinidade. da “última palavra”, daquele decide tudo. Essa dependência pela realização no trabalho não tem nada a ver com a entrada da mulher no mercado de trabalho. Diminui a quantidade de vagas e aumenta a competição em relação ao sucesso na carreira. Não estão muito mais envolvidos nos trabalhos domésticos assim como temos mais mulheres não disponíveis para os mesmos trabalhos do que tínhamos antigamente. Tendem a cooperar bem mais do que antes, mas as atividades diárias ainda precisam de acertos entre os dois. Nos meus trabalhos e estudos registro com clareza um fator de pesquisa que comprova o sucesso, poder e competição como um atributo fortemente recompensador da identidade masculina. é interessante que após uma etapa pequena de psicoterapia dirigida a esta questão do gênero, eles passam a considerar mais e melhor suas questões pessoais, relativizando a necessidade de obter somente no trabalho suas realizações pessoais.
3) Um homem pode aceitar, de fato, ser sustentado por uma mulher?
Luiz Cuschnir: Não. Ele se sente diminuído e nessas situações. Quando se vê com oportunidades de retornar a vida profissional deixa essa posição rapidamente, principalmente se estiver cumprindo somente tarefas domésticas e familiares. é claro que sempre alguém vai dizer que conhece outro alguém que não é assim, mas estamos falando da mediana da população. O homem tende a uma ambivalência de querer ter o poder econômico e ao mesmo tempo precisar dividir responsabilidades que o sobrecarregam. Na relação conjugal ele se realiza quando sustenta a família e ao mesmo tempo, muitas vezes utiliza esta posição para poder cobrar dela as atribuições domésticas e familiares. Por outro lado se sente sobrecarregado ou explorado por ter que trabalhar tanto, se não tem a ajuda dela.
4) Homens que eu entrevistei para esta matéria dizem não se incomodar com alguns comportamentos de suas mulheres considerados ‘masculinos’. Isso acontece desde que o papel de provedor dele não esteja ameaçado?
Luiz Cuschnir: é comum que os homens se incomodem com uma maneira mais autoritária ou invasiva que a mulher pode apresentar, e aí têm duas posturas reativas: entrarem em confronto direto ou manterem uma posição passivo-agressiva, se opondo a suas solicitações com uma resistência não direta ou explícita. Por outro lado, a mulher mais determinada, que não o exclui nem deprecia, pode ser um importante apoio para a confirmação da masculinidade dele, desde que tenha a compreensão e a atitude da inclusão dele no trajeto de suas conquistas. Como sempre conquistas implicam em dúvidas e às vezes medos. Se ele participa deles, o incomodo tende a diminuir ou não existir. é preconceituoso chamar esse comportamento delas de “masculino”. A atitude mais ativa, às vezes até proativa da mulher, mantendo o referencial feminino, como por exemplo, a maneira de se comunicar, pedir, orientar, muitas vezes quebra este possível conflito e harmoniza a relação com o homem. Se não fizer isso, a cumplicidade fica comprometida. E segue nesse compasso o relacionamento como um todo.
5) Como anda o Masculismo hoje? O movimento cresceu, tomou corpo? Ele já influi na legislação para criar programas de proteção ao cidadão do gênero masculino? Há exemplos no mundo? No Canadá os homens conseguiram obter os mesmo direitos que as mulheres em relação à guarda dos filhos?
Luiz Cuschnir: Os homens estão muito mais livres para se expressar nas suas questões mais íntimas como frustrações, medos e depressão em geral. Como estas vêm de um viés emocional, não atingem flagrantemente a legislação. Conseguiram alguns passos como, por exemplo, a licença-paternidade e a ampliação das possibilidades de guarda compartilhada. é extremamente difícil homens conseguirem a guarda única dos filhos, mesmo em situações que a requer, até quase um mito infelizmente. Não adianta ele achar que tem provas suficientes para isso. Elas passam a ser relativas do ponto de vista jurídico, pois outro mito do amor incondicional materno ainda é um valor social difícil de ser questionado. Hoje se fala em leis que protegem os filhos de abusos emocionais, também se referindo à mulher, mas ainda estamos engatinhando nesta matéria. Na sociedade em geral, ainda é muito mal visto homens em profissões não rentáveis ou pouco prestigiadas. Sem dúvida ainda temos um bom caminho para chegar a um equilíbrio com países mais avançados culturalmente. Na Medicina e na Psicologia já se presta mais atenção às necessidade de atendimento específico das questões do homem nas diversas especialidades. O dia-a-dia com a rotina, principalmente nos grandes centros, propõe ao homem posturas que o levam a saber mais cuidar de si, sem precisar tanto da assistência feminina.
6) Você acha que a ascensão da mulher no mercado do trabalho teve conseqüências também dentro das casas em que não são as mulheres que sustentam o lar? Ou seja, a ascensão da mulher no mercado de trabalho mudou o comportamento dela como um todo?
Luiz Cuschnir: A mulher inserida no mercado de trabalho não consegue, como anteriormente, se manter tão ao par como um todo com que ocorre em casa ou na família. A crescente demanda de produtividade e disponibilidade para a comunicação e participação do ponto de vista social, afasta essa mulher do espaço mais privado. Uma mulher que não trabalha fora de casa provavelmente estará envolvida em atividades que equilibram outros campos familiares e sociais. Nem sempre ela é bem vista, às vezes é até criticada, e em outras se sentindo inferiorizada por não participar diretamente da corrida pelo mercado de trabalho. Os movimentos da sociedade em geral não respeitam o que ela precisa para se dedicar e doar às relações que têm a ver com o lar. é comum na minha clínica diária chegar uma mulher que vem para uma psicoterapia exigida ao extremo (por ela e pelos outros), a um ponto de manifestar doenças físicas que provém desse desrespeito à sua essência feminina. A mulher precisa de um ambiente mais íntimo em que possa se ver e ser vista para cuidar das suas sensações, sentimentos, emoções, dúvidas etc. As relações de amor são preponderantes para que se sinta realizada por inteiro.
7) Nós conseguimos um dado interessante do IBGE, apurado no ano passado, de que o número de chefes de família mulheres cresceu de 2,4% para 9,1% nos lares em que existe a presença do cônjuge. Você acredita que este é um dado que mostra que a mulher está competindo com o homem no mercado de trabalho de igual para igual? Isso assusta o homem?
Luiz Cuschnir: Mesmo com o homem dentro de casa, ela procura evoluir na sua carreira. Com salários mais baixos, podem se manter mais estáveis no emprego e por conseguinte, manter a casa economicamente quando os maridos estão desempregados. A estabilidade profissional pode propiciar essa situação. Não percebo a mulher competindo com o homem de igual para igual em todos os campos. Ela muitas vezes não é reconhecida integralmente na sua competência profissional. Comparativamente no mesmo cargo, dependendo da profissão, têm ganhos por volta de 40% a menos que os homens. Há outras mulheres, principalmente em carreiras como profissionais autônomas ou empresárias, que superam os homens. Assim como está muitas vezes impedida de realizá-la por exigências de outros papéis que ainda lhes são cobradas. Se espera que seja encarregada de certas funções familiares (filhos, companheiro, pais, irmãos etc) que claramente interferem nas faixas salariais. Dentro de uma relação conjugal sempre tivemos a competição pelo poder. Do ponto de vista material, diferentemente do emocional, os homens ficam ao mesmo tempo incomodados e aliviados em relação ao dinheiro que entra para a divisão dos encargos domésticos. às vezes elas podem até agir perversamente por terem mais tarefas em casa. Cobram uma conta alta deles por não terem ganhos econômicos em suas ocupações profissionais, mesmo que sejam de relativo prestígio social. Não vejo o homem assustado com isso. Essa é uma realidade que o homem percebe e fica atento como com qualquer outra competição, onde ele tem que se preparar melhor se quiser atingir suas metas. O homem deixa de ficar assustado e passa a olhar com mais respeito. Considera uma concorrente que tem que levar em conta. Afinal ela sabe conjugar vários verbos ao mesmo tempo.