Entrevista concedida à Folha de São Paulo
Folha: Por que as pessoas se sentem atraídas pela televisão? É por causa de uma realidade que ela não tem, por exemplo? é neurológico?
Luiz Cuschnir: Existem vários motivos os quais levam as pessoas a se sentirem atraídas pela televisão. Além da maravilha tecnológica e do avanço científico que ela representa, a televisão é um instrumento que dá a oportunidade de sonhar, fantasiar e projetar na tela boa parte dos desejos inconscientes da maioria da população. Serve também como alienante dos problemas cotidianos, relaxando e divertindo o espectador.
Há muitos aspectos de fantasia projetados no que vêem na TV e que não podem viver, seja por motivos econômicos, sociais, culturais etc. Hoje em dia a televisão é um dos mais importantes veículos formadores de opinião e de moda, portanto, se você quiser “estar por dentro” a TV te fala o que usar, como se comportar e até mesmo o que dizer e pensar, sem precisar fazer esforço algum. Atraente, não? Dá a impressão também às pessoas que elas podem se informar do que está acontecendo e torná-las “atualizadas”. Não há indícios que sejam problemas neurológicos em uma primeira instância.
Folha: Quais são os malefícios de uma pessoa assistir demais à televisão? A média que o brasileiro passa em frente à TV é de quatro horas por dia. O senhor acha isso tempo demais?
Luiz Cuschnir: Existem dois tipos de malefícios os quais a TV pode causar. O primeiro é do ponto de vista pessoal, no qual a pessoa pode ficar horas na frente da TV e deixar de lado os compromissos sociais e familiares. Ao invés de sair com os amigos ou de passar um tempo com uma qualidade de vínculo interelacional (interação entre pessoas e não pessoa-objeto), mais adequado para o desenvolvimento pessoal, com seus familiares, preferem ficar na frente da TV, a qual se está desinteressante pode mudar de canal e que satisfaz as suas vontades com os inúmeros programas para todos os tipos de espectadores. Há também o perigo do espectador se identificar tanto com os personagens da TV que acaba se transformando, se afastando de quem realmente é, dando lugar a uma vida de fantasias, distante da realidade, o que pode lhe causar uma série de problemas psicológicos. A transformação de conceitos de vida, influenciada maciçamente com informações que podem estar somente vinculadas a processos individuais, de quem as veiculou, cria um viés perigoso de mudança de hábitos e costumes individuais, característicos desta pessoa.
O segundo tipo de malefício é aquele de ordem social. Como já disse antes é um dos maiores formadores de opiniões e ditadores das tendências da moda. Tem o poder de dizer o que é certo ou errado fazer, usar e pensar. As pessoas que não estão incluídas nestes estereótipos tão vazios, superficiais e fugazes que a televisão apresenta são mal vistas, o que gera uma pressão muito grande, principalmente nas crianças e adolescentes para serem o que muitas vezes não são, gerando novamente uma gama muito grande de problemas psicológicos. Tudo isso movido pelo dinheiro, política e comércio. Já se faz muitas relações entre o exagero do estímulo ao consumo, provocando necessidades em pessoas que não as sentiam, deixando-as com um desejo “fabricado”. Isto, dependendo da situação pode até provocar e estimular a violência, o abuso, ou necessidades impróprias ao bom relacionamento e condutas éticas e morais da sociedade. Muitos roubos, assaltos e crimes em geral mostram claramente reproduções conseq¨entes do que poderia estar sendo propagado na TV.
Há estudos mundiais, que revelam em outras nações e não só no Brasil estão tendo esta média de horas de audiência. Também populações de classes mais baixas, o número de horas é maior, pelas dificuldades financeiras e sociais.
Outras pesquisas computam que uma pessoa de 70 anos passará 8 anos da vida dela frente à TV. Acho que é muito para o potencial do ser humano como criador e não só receptor de informações projetos.
Folha: Por que é tão difícil parar de assistir à TV?
Luiz Cuschnir: A televisão já é um hábito instalado no nosso comportamento. Associamos a televisão com prazer, informação, relaxamento e diversão. A atitude passiva frente a TV estimula-se por si própria à continuidade. Receber acaba ficando mais fácil que procurar, desenvolver, pensar e elaborar. Um hábito diário, somado a um ritmo de muita solicitação intelectual e física, dificuldades de relacionamento social e/ou familiar, acrescido de um acomodamento na produção e desenvolvimento intelectual, podem ser uma boa receita para essa persistência em assisti-la sem parar.
Folha: Mesmo quando temos visita em casa, é comum deixar a TV ligada. O senhor sabe por que? E quando conversamos com alguém, mesmo que o assunto seja interessante, se tiver uma TV ligada, por que é inevitável olhar para ela?
Luiz Cuschnir: As pessoas hoje em dia, principalmente nas grandes metrópoles, se incomodam muito com o silêncio, não conseguem ficar confortáveis umas com as outras se houver aquele silêncio no ar. Então se protegem desta sensação de vazio deixando a televisão ligada baixinho, para caso o silêncio venha a aparecer, elas possam olhar para TV e fazer algum tipo de comentário ou simplesmente passarem a ouvir o quê a TV tem a dizer. As dificuldades nas relações entre as pessoas, os espaços vazios deixados pela falta de habilidade em ser espontâneo e a falta de contato pessoal, fizeram com que as pessoas em geral não se aprofundassem mais nos assuntos, deixando-os sempre em uma camada superficial, preenchendo o que falta em suas vidas e nas relações muitas vezes com o barulhinho da TV Mesmo a habilidade de manterem uma conversa mais longa, criando interesse comum a todo momento da conversa e trazerem fatos interessantes para a mesma podem provocar essa atitude.
Folha: Pode se tornar um vício? Pode existir alteração no comportamento de uma pessoa viciada ou dependente? Se houver vício ou dependência, quais são os sintomas e como podemos tratá-los?
Luiz Cuschnir: Sim. Quando a televisão começa a atrapalhar as tarefas cotidianas, o trabalho, o descanso ou as relações inter pessoais, ela começa a se tornar um problema. O vício na televisão gera passividade, falta de profundidade nos assuntos, nas relações e no auto conhecimento. A pessoa começa a viver em função do que aparece na TV, dando mais importância para o mundo televisivo do que para o mundo real em uma atitude de fuga. A vida começa a perder a graça, e a pessoa pode começar a sofrer até de depressão. Nestes casos, o mais indicado é procurar um psicoterapeuta, pois atrás desta atitude podem estar problemas muito mais profundos e o vício em televisão pode ser apenas um sintoma.
Folha: Quais são os problemas que o excesso de TV causa nas crianças?
Luiz Cuschnir: às vezes o excesso de televisão é uma opção dos pais para que as crianças não os incomodem. Sendo assim, passam para TV suas próprias responsabilidades, depositando nela a função de educar e de mostrar o mundo aos seus filhos. Crianças ainda não conseguem distinguir de forma precisa o real da fantasia, podendo querer transportar o que vêem na televisão para o mundo real. Podemos nos deparar com grandes tragédias que vemos de crianças se jogando da janela achando que vão voar, pegando a arma do pai para atirar no coleguinha (as armas nos desenhos não matam) e etc. Mas com a carga de informações distorcidas, exageradas e sem controle do material que está sendo veiculado, as crianças estão expostas a uma erotização precoce por exemplo. Esses danos nem sempre vem à tona nesta fase da vida, mas sim depois na vida adulta. Além de problemas comportamentais, o excesso de televisão pode gerar problemas físicos, desde problemas visuais, postura, estimulação imprópria das sinapses, e até flacidez muscular.