Diário da Região – São José do Rio Preto por Renata Fernandes – novembro/2007
“A alegria é preferível ao mau humor, mas algumas pessoas possuem inclinações eufóricas, um entusiasmo irreal com as coisas triviais como se fossem magníficas descobertas”. A afirmação da psicóloga cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira explica bem um tipo de comportamento que leigos não percebem ser um transtorno: a euforia. De acordo com o psiquiatra de São Paulo Luiz Cuschnir, a euforia em demasia é chamada de hipomania, ou mania mesmo. “Não tem nada a ver com ‘ter mania de fazer algo’. é um estado de exaltação do humor”, explica. Mara diz que no estado de humor maníaco ou eufórico ocorrem modificações abruptas e significativas no comportamento, na saúde física e no raciocínio, facilmente percebidas pela família e por pessoas mais próximas. Ela afirma que as alterações de humor, como alegria, tristeza, raiva, insatisfação e felicidade são sentimentos naturais e fundamentais à vida. De modo que os sentimentos de alegria e felicidade não constituem riscos e não são tão duradouros como a euforia que pode persistir por dias, semanas e até meses.
A euforia é um estado de humor exaltado, uma manifestação desproporcional aos eventos da vida, acompanhado de aumento da energia, irritabilidade, redução da necessidade de sono, aceleração do fluxo de idéias e da fala. Segundo Cuschnir, pessoas com mais facilidade em acessar conteúdos da vida de maneira positiva e melhor (os bem-humorados) podem ser confundidas com eufóricos, já que perto de outros que vivem de maneira mais pessimista a sentem exageradamente alegre. Por isso, é importante saber diferenciar as duas situações porque nem sempre há hipomania ou mania. O psiquiatra esclarece que a relação entre a euforia e a depressão, como diagnósticos psiquiátricos bem feitos, são reversos da mesma moeda: uma para cima e outra para baixo. O médico deve ser procurado quando a elevação do humor excede os limites da normalidade e se torna um problema de saúde. Isso ocorre, de acordo com a psicóloga, devido a elevada freqüência, incapacitação, prejuízos importantes à vida da pessoa e pelos riscos que representa.
Além disso, pode atingir níveis de gravidade comprometedores para a saúde física, psicológica, moral, financeira, familiar, profissional e social. Quando a euforia passa a ser um problema é preciso ir ao psiquiatra para que seja feita a avaliação correta do problema. Feito o diagnóstico é necessário seguir à risca a recomendação médica, que pode ser acompanhada de medicação e psicoterapia. Cuschnir afirma que a euforia também pode ser um sintoma do transtorno de humor. Mara ressalta que os transtornos de humor são complexos e envolvem alterações de sistemas fisiológicos e incluem resposta imunológica, sistema endócrino, níveis de estresse, sistemas de neurotransmissão, padrões de comportamento e memória celular. As causas desse transtorno também estão relacionadas a fatores genéticos, ambientais, fisiológicos, psicológicos de forma tão integrada que é impossível diferenciar os níveis de influência de um aspecto sobre os demais. “é necessária uma boa avaliação psiquiátrica para ter o diagnóstico adequado.”
Saiba mais:
A euforia varia de um sentimento de grande segurança e certeza de saber de tudo até um otimismoexagerado
As sensações de satisfação e alegria são intensas e sem motivos reais e se alternam com irritabilidade e impaciência
Durante um episódio de euforia a pessoa se sente facilmente provocada e desafia familiares e quem convive com ela; gera brigas e discussões por motivos banais; pode se tornar agressiva verbal e fisicamente. Depois pode se arrepender e pedir desculpas, mas volta a cometer os mesmos deslizes, em outra crise
A euforia provoca alterações no comportamento por dias, semanas ou até meses e, em geral, a pessoa não admite que há algo errado. Há prejuízos ou ausência do senso crítico e capacidade de avaliação objetiva das coisas
A pessoa acredita que as alterações de humor se devem a fatores situacionais e se opõem aos argumentos médicos e familiares Os principais sintomas da euforia são:
- Irritabilidade, impaciência, distraibilidade, inquietação e agitação física
- Intolerância com a “lerdeza” dos outros
- Pensamentos acelerados, fala rápida e contínua (tagarelice)
- Sensações de bem-estar, alegria e raiva intensificada
- Sensações de poder, grandeza, riqueza, inteligência, força, autoconfiança e otimismo irrealistas
- Gastos excessivos e endividamentos
- Aumento da disposição, energia, produtividade e/ou começar muitas coisas simultaneamente sem concluí-las
- Desinibição exagerada; comportamento inadequado e provocativo, ironias, ofensas e até mesmo agressões
- Aumento da libido e erotização; insônia e em casos graves delírios e/ou alucinações
Reconhecer o problema ajuda no tratamento
Os episódios de humor se assemelham a pequenas convulsões no cérebro. Eles se manifestam pelo aumento da resposta elétrica a um mesmo estímulo repetido, que pode progredir e se repetir posteriormente. A psicóloga cognitivo-comportamental Mara Lúcia Madureira diz que tanto os estados eufóricos como os estados depressivos podem ser originalmente desencadeados por eventos estressantes na vida da pessoa vulnerável às alterações do humor e podem, por meio de sucessivas ocorrências, resultar em episódios maníacos e depressivos que se repetem em um indivíduo já “sensibilizado”. Para lidar com a euforia, depressão ou a associação de ambos, no transtorno de humor e/ou no transtorno bipolar, a pessoa deve reconhecer o problema e saber que é portadora de um transtorno, não um doente. E, assim, assumir uma parcela de responsabilidade no sucesso ou fracasso do tratamento.
Mara afirma que o portador deve ainda ter participação ativa no processo terapêutico e se comprometer em seguir as indicações feitas, como manter a rotina do sono, ter disciplina com os horários de dormir e levantar, entre outras. A psicóloga alerta que para a maioria das pessoas é difícil aceitar qualquer doença. No caso de transtornos do humor é ainda pior, porque a pessoa apresenta os sintomas em apenas algumas épocas e o risco de abandonar o tratamento e precipitar as conseqüências aumenta. “A pessoa não deve suspender um tratamento aos primeiros sinais de melhora por acreditar que poderá se controlar sozinha devido aos efeitos colaterais ou por sentir falta da excitação provocada pela euforia. Essas questões devem ser cuidadosamente discutidas com o médico e/ou psicólogo”, afirma. Isso porque a cada novo episódio aumenta o risco de um seguinte e a manutenção do tratamento é essencial para evitar novas crises e permanecer bem por longos períodos.