IG Delas – Comportamento – 01/2011
Ele trocou a cervejinha do final do dia por três cervejinhas. Houve aquele domingo em que explodiu por causa do controle remoto, uma bobagem. Sem contar as horas extras no trabalho. Mas nunca reclamou de nada. Ela bem que tentou conversar. Reclamou com ele, com as amigas, com a sogra, com a manicure. Ela estava só tentando resolver uma crise. Ele também. Sim, características individuais à parte, homens e mulheres lidam com seus problemas de maneiras diferentes. E, sim, como o cotidiano indica, os homens tendem a ser mais fechados e a “descontar” em outras coisas, enquanto elas destrincham a questão para quem quiser ouvir.
Mas – surpresa – isso não quer dizer que as mulheres tenham as soluções para as crises deles. Ou delas. O psiquiatra e psicoterapeuta Luiz Cuschnir é coordenador do Gender Group e supervisor no Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo, além de criador e coordenador do IDEN (Centro de Estudos da Identidade do Homem e da Mulher) e autor de vários livros sobre os homens. Como especialista em comportamento masculino, ele garante: os homens sofrem muito com a vergonha de seus problemas. Mas a mulher que insiste em discutir a relação muitas vezes quer apenas impor seu ponto de vista. E o hábito delas de compartilhar tudo com todo mundo nem sempre ajuda: “Aí também podem ser inadequadas, expondo situações de intimidade para relações que não aceitam ou que não saberão lidar bem com estas informações”, diz. Para ele, falar sobre seus problemas não é necessariamente a saída.
iG: Podemos dizer que homens e mulheres lidam com crises de maneiras diferentes? Quais são as características particulares de cada gênero?
Luiz Cushnir: Se formos pensar de uma maneira geral, há certas diferenças. É claro que características individuais, de personalidade, terão correspondentes atitudes. Pessoas mais ansiosas, ou mais rígidas, mais ou menos impulsivas, imprimirão características do seu tipo para lidarem com as crises que se apresentam independentemente do gênero, pois estas serão preponderantes.
Mas algumas diferenças podemos apontar: homens contém mais a angústia ou ansiedade que estão vivendo perante uma crise. Podem mantê-la dentro de si e não expor aos outros. Também podem extravasar em atividades produtivas (trabalho) ou saudáveis (esporte), que com os exageros apontam para inadequações e danos pessoais. Podem se dirigir diretamente para excessos como álcool e drogas, de uma maneira ainda mais exacerbada, já que temos um consumo ainda estatisticamente mais elevado em homens comparativamente com mulheres. Estas tendem a demonstrar mais facilmente a presença de uma crise para familiares ou amigos. Elas têm essa facilidade como um todo. Aí também podem ser inadequadas, expondo situações de intimidade para relações que não aceitam ou que não saberão lidar bem com estas informações.
Homens, por terem mais desenvolvidos elementos de racionalização, utilizarão raciocínios para o entendimento da crise. Mulheres, com mais facilidade na esfera do relacionamento e da afetividade, podem utilizar este recurso para entender e líder com a crise.
iG: As pessoas conseguem lidar de forma distinta com crises na área profissional e pessoal? Ou quem é mais impulsivo em uma área, por exemplo, será impulsivo também em outra?
Luiz Cushnir: Pessoas podem ser completamente diferentes na área pessoal e profissional em situações críticas. As pessoas mais impulsivas no trabalho podem estar respondendo a uma solicitação maior do que têm disponibilidade ou com interferências inerentes a este espaço profissional. Se na vida pessoal estiverem em contato com situações afetivamente receptivas e que as preenchem em suas necessidades, pode não responder desta mesma maneira. Da mesma forma, o oposto. Vida pessoal desarmoniosa pode indicar respostas mais explosivas. Não é incomum termos isso tão discrepante.
iG: Falar sobre os próprios problemas é uma atitude mais feminina? Isso as ajudam a gerenciar suas crises? Qual é o equivalente masculino?
Luiz Cushnir: Pode ser gerenciamento da mulher, mas pode ser também inadequação, quando estão falando sem discriminarem onde e para quem. O homem que retém a crise pode pagar o custo em outro espaço, outra relação ou adoecer. Mas se ele desloca saudavelmente para o trabalho, esporte etc., estará gerenciando melhor. Se ele o faz para as drogas ou hábitos não saudáveis, estará correndo riscos.
iG: Estar mais habituada e “autorizada” a vivenciar alterações hormonais e suas consequências comportamentais acostuma mais as mulheres a lidar com situações de crise?
Luiz Cushnir: É claro que essa variação hormonal das mulheres, quando as afeta em termos de comportamento, quando elaboradas e amadurecidas, de alguma forma treinam as mulheres a uma contenção, que será benéfica em outros momentos. Ela aprende como fazer para se manter equilibrada em situações difíceis. Incômodos físicos são muito desagradáveis. Eles ocorrem de uma maneira constante, às vezes crônica, outras repetitivamente. Isso estimula a mulher a procurar caminhos de resposta, e que vão ser úteis quando estiver perante pressões de crises da vida de outras maneiras.
Mas isso não significa que ele sofrerá menos, somente que responderá com mais recursos, às vezes somente do ponto de vista de comportamento, mas não necessariamente com resoluções de crises melhor.
iG: Os homens costumam viver suas crises “em surdina”? Por quê? Quais são as conseqüências disso? Como isso pode afetar os relacionamentos afetivos?
Luiz Cushnir: Um dos temas que mais trabalho no Gender Group do Instituto de Psiquiatria do HC da FMUSP e também no meu consultório particular é a vergonha do homem. É presente e muitas vezes com difícil acesso para as pessoas com quem ele convive, inclusive para os profissionais da área de saúde que o atendem. Há ainda a vergonha de ter vergonha, onde ele nem pode expor que a tem. Também a proibição de ser agressivo, muitas vezes contém o todo: não só a raiva como tudo que tem a ver com o processo que detona a crise.
iG: Suponha uma situação em que a mulher é surpreendida por um “aviso” do companheiro de que eles estavam em crise e agora ele já a resolveu e a solução é o fim do relacionamento. Isso pode acontecer? As mulheres devem incentivar discussões de relação? Devem insistir?
Luiz Cushnir: Não é incomum os homens desistirem de relacionamentos que estão em crise para ele, e que a mulher nem sabe como ele a está vivendo. Ele simplesmente vai embora sem aviso prévio. Também o receio de machucar e ferir a mulher, propicia que guarde, principalmente se ele não confia que ela pode receber a avaliação que ele tem dela.
A mulher que tem autocrítica e mostra para ele que percebe suas inadequações está indicando que estará mais receptiva para ele se colocar. O incentivo dessas discussões, quando feito diretamente, precisa de preâmbulos que convidem ao homem sem pressioná-lo. Pois, a priori, se ele não faz espontaneamente, é porque ele não pode, seja porque não quer se abrir, seja porque não quer repetir o que já foi falado.
Muitas vezes a mulher não quer discutir e sim, insistir e convencê-lo de pontos que ele não concorda. A mulher precisa estar atenta a ouvir e perceber o que ele está demonstrando, às vezes não está falando.
iG: Os homens têm uma dependência emocional maior da mulher do que o inverso?
Luiz Cushnir: Essa dependência é pela facilidade que a mulher se desloca na vida nos diferentes contextos. No social, no afetivo, no familiar, ela em geral é mais livre. Mesmo que não seja, o homem precisa dela para o acompanhar, mesmo que ele seja o “ator principal”. Com ela, ele se sente seguro em se colocar, além dela estimulá-lo a se expor, que é uma necessidade que ele tem mas nem sempre faz com facilidade.
iG: Não lidar com a crise é evitar a crise?
Luiz Cushnir: Não é, mas às vezes é melhor não se meter na crise totalmente, dando um tempo para que as coisas se solucionem ou se adaptem. Em crise, nem sempre se enxerga direito o que está ocorrendo.
iG: O que os homens podem fazer para cuidarem melhor de seus sentimentos?
Luiz Cushnir: Psicoterapia psicodinâmica, onde trabalham suas dificuldades e aprendem a vê-las de uma maneira mais clara, facilita que o façam também em outros lugares, se coloquem sem tantas máscaras. Desenvolver a capacidade de se perceber, passarão a se posicionar melhor, mesmo que contenham o que sabem e vêem, mas tornam-se mais claros para com quem convivem.