Perdão

Uol Mulher – Jornalista Maisa Correia
Entrevista concedida – 03/07/2014

Uol Mulher – O que significa perdoar?
Luiz Cuschnir – Perdoar é caminhar através da dor, aprender a conviver com o imperfeito e aceitar o outro como ele é. É preciso separar o erro que foi cometido daquilo que é maior naquela pessoa. Ele ou ela cometeu um erro, não é o erro. Implica em olhar maior, mais distante e mais amplamente a situação, tanto em relação ao outro quanto a si mesmo. É retirar o julgamento que culpabiliza e decreta quem é o único responsável por aquilo que ocorreu.
Perdoar implica num ato sincero, genuíno e não num gesto diplomático que guarda o ressentimento “dentro do bolso do colete” para depois cobrar novamente.

Uol Mulher – Existem fatos em nossa vida que não são perdoáveis?
Luiz Cuschnir – Às vezes a pessoa não perdoa porque, quando olha o outro, só enxerga dor. Esse é o problema. Se tudo que ela enxerga no outro é dor, é porque a dor é dela. A atitude do outro pode ter reavivado essa dor, mas o sentimento sempre esteve ali. Existem várias pessoas que puderam perdoar porque localizaram a origem daquela mágoa. Daí entenderam como essa dor chegou e se instalou com tanta força. Não é necessário perdoar sempre. As religiões muitas defendem isso. Mas existe também um compromisso com a vida. A autopreservação é o mais importante. Quem perdoa o tempo todo, sem parar, pode provocar um estado de humilhação prejudicial à sua auto-estima. Antes de mais nada, qualquer pessoa tem que se respeitar como ser humano. Existem coisas imperdoáveis, e elas são diferentes para cada pessoa. É preciso respeitar esses limites. Se a dor e a raiva a destroem pelo fato de não perdoar, ela precisa ser revista pois essa atitude não está sendo adequada e se torna um lema de vida que pode leva-la a um tipo de morte, de doença prejudicial a ela.

Uol Mulher – O ato de perdoar pode ser influenciado ou estar ligado a fatores sociais e culturais?
Luiz Cuschnir – Pode sim ter essas influências. Pessoas mais ligadas a certas religiões têm esse estímulo e propicia uma tendência a aceitar mais. Outros fatores como ambientes sociais que podem ampliar a percepção do que ocorre pode fazer a pessoa sair de um julgamento drástico e relevar o que não aceita. Mesmo no consultório, quando nós terapeutas trabalhamos certos temas, tanto os que provocam culpa como os que geram raiva e ódio, podem ser ampliados e colocados na devida proporção. O caminho é conhecer mais a própria essência, embrenhar-se no autoconhecimento. Nessa proposta, ela deve aceitar as próprias limitações para finalmente retirar a culpa que às vezes estimula o não perdoar. Pode estar mascarando a própria culpa que a pessoa tem do que ocorreu e não pode lidar com isso, jogando no outro a total responsabilidade. Inicialmente deve posicionar-se, levando em conta todos os aspectos do outro, sejam os positivos como os negativos.

Uol Mulher – Por que é bom perdoar? Qual a importância do perdão para as relações humanas? Qual é o efeito do perdão nos relacionamentos?
Luiz Cuschnir – O perdão é importante para o bem-estar mental. O perdão tem a ver com qualidade de vida, com estabilidade emocional. Tem gente que não perdoa e continua remoendo a situação por muito tempo, mesmo quando o outro já mudou de vida, ou nem está mais por perto. Essas pessoas colocam no outro a culpa por toda a sua infelicidade. Isso ocorre muito: a pessoa cria um algoz, um sequestrador, alguém que é a causa do seu sofrimento. Só se conseguir perdoar sai do cativeiro que ela própria criou pois nem o sequestrador está lá impedindo-a de sair, ele já mudou, estão vivendo outra realidade e a pessoa não. Falo desse assunto a respeito das mulheres em relação por exemplo a traição dos homens nesse meu livro “Por Dentro da Cabeça dos Homens”(Ed. Academia/Planeta). As mulheres podem ficar transtornadas em função de atitudes masculinas sem compreenderem o que está realmente ocorrendo com seu companheiro.

Uol Mulher – O perdão está ligado à qualidade de vida?
Luiz Cuschnir – Quando se pensa que um ser humano não é divino, aceita-se que pode “pisar na bola”. Ele pode não cumprir o que se espera dele. Para perdoar é fundamental enxergar o outro como um todo. A capacidade de perdoar não é um talento nato, é uma coisa que se desenvolve ao longo da vida.
Quanto mais madura a pessoa é, mais capacidade ela tem de perdoar. As pessoas amadurecidas toleram mais, entendem mais o que é um relacionamento, o que pode esperar da outra pessoa. Quem nunca perdoa com certeza está sofrendo, o que com certeza atinge a sua qualidade de vida.
Isso sempre é passível da busca das situações do passado que não conseguiu resolver. Com o tempo, foi ficando dura, inflexível. É preciso se exercitar para manter a capacidade de perdoar.

Uol Mulher – Por que algumas pessoas são muito permissivas e costumam perdoar quase ou tudo? Isso é prejudicial? Por quê?
Luiz Cuschnir – Em geral tentam ver a realidade, os limites de um relacionamento, e não o idealizam somente através de fantasias, que podem frustrá-las. Aceitam as suas limitações e não se cobram nota dez em todos os seus papéis e funções. No caso da coluna, as mulheres devem identificar os mitos e crenças que as restringem, e se permitirem experimentar e mudar se não estiverem satisfeitas consigo mesmas. Perdoar não é esquecer. Entender não é perdoar.

Uol Mulher – Por outro lado, algumas pessoas são radicalmente contra o perdão. Ser rancoroso é prejudicial? Por quê?
Há pessoas que perdoam apenas da boca para fora, mas internamente não aceitaram aquela ocorrência? Por que isso acontece? E qual recomendação pode ser dada para essa pessoa?
Luiz Cuschnir – O perdão pode ser só interno ou precisa ser colocado para fora. Existem situações em que é preciso externar o perdão. O rancor é uma delas mas pode estar embutido e guardado como uma arma para depois ser usada. Se você não diz que perdoou, o outro pode continuar se sentindo culpado, e fica difícil restabelecer um vínculo. Em outras ocasiões quando não existe chance de reconciliação, o perdão não precisa ser externado. Na hora que perdoa, sente um alívio que tem a ver com ela, não com o outro. É como se tomasse um banho. E aí pode tocar a sua vida de um jeito melhor.
Então o rancoroso sempre precisa se perguntar de que está valendo esse vírus que o está contaminando. Falo bastante disso no meu próximo livro que estou entregando para ser publicado. Ele fala dos relacionamentos entre homens e mulheres, onde isso ocorre frequentemente.

Uol Mulher – Como chegar ao equilíbrio quando se fala em perdoar, ou seja, não aceitar tudo, mas também não guardar mágoas? Qual é a maneira saudável de lidar com o perdão?
Luiz Cuschnir – O equilíbrio tem a ver com a dosagem da dependência dos outros. Trata-se de uma característica da personalidade que indica a transformação ao longo do seu crescimento e evolução, da possibilidade de se enxergar, se proteger e ao mesmo tempo se entregar ao outro.
O caminho é conhecer mais a própria essência, embrenhar-se no autoconhecimento, que muitas vezes é o que trabalho com meus pacientes em psicoterapia. Essa pessoa deve posicionar-se, levando em conta todos os aspectos do outro, sejam os positivos como os negativos. Aí caberá uma profunda avaliação sobre o que esta ou aquela situação está provocando. Se o dano for grande o suficiente para indicar que precisa se proteger não perdoando, é melhor seguir este caminho. Pode estar se destruindo se mantém algo que lhe faz mais mal do que te uma atitude complacente e perdoar para não perder. Mas sempre saber que o que fizer deverá ter avaliação do que lhe faz bem ou faz mal para seguir uma boa vida.

 

 

 

 

 

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